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Desconfinamento Especialistas trabalham há um mês numa proposta sem fim definido, com base em indicadores. E com alívios divididos entre nacional e local
EXPRESSO



No início de fevereiro, António Costa entregou a um grupo de peritos uma missão: preparar um plano de desconfinamento do país. Com os hospitais ainda a rebentar pelas costuras, a equipa — liderada por Óscar Felgueiras, da ARS/Norte, e por Raquel Duarte, pneumologista e ex-secretária de Estado de Costa — começou a trabalhar discretamente ao longo do último mês, mesmo com o avolumar das críticas dos que começaram a reclamar um plano para libertar o país. O primeiro esboço desse “projeto de plano”, apurou o Expresso, já chegou a São Bento e será apresentado na reunião do Infarmed, marcada já para a próxima segunda-feira.

Se ficar como está, o desconfinamento não será como o que arrancou em maio de 2020. Se esse tinha três passos definidos, avançando de 15 em 15 dias até 1 de junho, este não traz um calendário definido — confirma uma fonte do Governo. Estará, ao invés, preso a um conjunto de critérios que terão de ser cumpridos para se poder seguir para a etapa seguinte de ‘libertação’ de atividades. Dito de outra forma: quando for apresentado, o plano (provisório) não terá calendário, ou seja, fim definido. O desconfinamento acabará se e quando os critérios de saú­de pública forem cumpridos e estará ligado às campanhas de rastreio e de vacinação, que acelerarão em abril.

Mais. Ao contrário do que aconteceu em maio, este plano prevê que o desconfinamento avance em dois planos diferentes: um com levantamento de atividades a nível nacional, outro a nível local. Uma vez mais, desde que sejam cumpridos a cada etapa os critérios definidos. Será, assim, um desconfinamento a velocidade variável, em que uns concelhos, ou regiões, desconfinam mais rapidamente do que outros nalgumas medidas. Ainda a semana passada, o primeiro-ministro abriu a porta a esta possibilidade ao dizer que o plano será “gradual, progressivo, diferenciado em função de tipos de atividade, porventura diferenciado em função de localizações, sempre associados a critérios objetivos”. Mas a diferenciação regional, já testada no ano passado, primeiro com medidas especiais no Norte, depois na região de Lisboa e Vale do Tejo e depois por concelhos de risco, não agrada a todos (embora tenha o apoio do PSD).

Se houver consenso, haverá dois planos de abertura a correr em simultâneo, um a nível nacional e outro a nível local

O trabalho desta equipa terá, assim, de ser cruzado com o de outra que ficou encarregada de definir essas linhas vermelhas com precisão, o mesmo que foi avançado na semana passada pelo Expresso. Essa equipa, recorde-se, já tinha identificado um problema: os quatro níveis de alerta terão de ser mais exigentes do que aconteceu em outubro e novembro, porque são eles que vão definir os sinais de alerta para travar alívios ou voltar a impor restrições — e nestes alertas Portugal comparava mal com todos os outros países europeus.

Em síntese, se o projeto de plano obtiver consenso no Infarmed (ou seja, com partidos, parceiros sociais e o Presidente), tudo neste desconfinamento será mais cauteloso do que antes. “Desde logo temos muito mais informação. Terá de ser com cautelas, para evitarmos uma quarta vaga”, diz ao Expresso uma fonte próxima do primeiro-ministro. E mesmo não sendo, previsivelmente, tão lento como o que Boris Johnson pôs em marcha no Reino Unido (alívios de 5 em 5 semanas, que só acabarão em junho), terá um objetivo comum: manter uma rede de segurança até ao momento em que o país tenha o processo de vacinação coberto no essencial. E evitar um terceiro confinamento.

ESCOLAS, DEVAGARINHO

Para o Governo, os períodos de confinamento e de desconfinamento são os mais tensos e difíceis de gerir, é por isso que António Costa quer que este plano seja tratado com pinças e mão de ferro: por um lado, que haja cautela na escolha das atividades a abrir e, por outro lado, que se consiga mesmo manter o gradualismo. Uma tarefa difícil de fazer com o agravamento da fadiga pandémica.

O plano vai ser apresentado na próxima semana, dia 11 de março, e Costa já fez saber que não quer repetir erros do passado. Ainda esta semana carregou nas tintas para defender “disciplina” e evitar “tragédias”. “As tragédias repetem-se quando os seres humanos repetem os erros que as produzem.” A dificuldade em não repetir o modus operandi estará em manter a mão de ferro. A “mola” solta-se com as notícias dos números baixos e isso é um fator de preocupação.

Aliás, o desconfinamento começará pelas escolas e é certo no Governo que a partir do momento em que abrir escolas, aumentará a circulação e dá a mensagem de que é momento de alívio. Em cima da mesa está a abertura de creches e do pré-escolar ainda em março. No Governo há sensibilidades diferentes sobre este tema e o assunto ainda não está fechado.

Com muitos países da Europa a regressarem a situações de maior gravidade, no Governo a intenção é não estragar o que foi conseguido no final de fevereiro e início de março, até porque seria mau do ponto de vista económico, com novo embate no turismo (ainda está na mente o que aconteceu em junho do ano passado, com Portugal nas listas negras do turismo). Também o seria do ponto de vista político. Com o acumular do cansaço, o primeiro-ministro sabe que não há uma nova oportunidade para fazer isto bem.