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Legislação de emergência: Processo para viabilizar deixa muitos de fora
JORNAL DE NEGÓCIOS


É o chamado Processo Extraordinário de Viabilização de Empresas (PEVE) e está enquadrado pela Lei n.º 75/2020, publicada na última sexta-feira, 27 de novembro. Faz parte de um conjunto de medidas para fazer face à crise causada pela pandemia, mas, tal como adiantam especialistas em reestruturações inquiridos pelo Negócios, deixa de fora muitas possíveis candidatas.

"Temo que a medida não seja suficientemente abrangente, pois as empresas cuja situação difícil já viesse de trás, ou seja, fosse anterior aos efeitos da pandemia, não podem recorrer ao PEVE", explica Nuno Gundar da Cruz, coordenador da área de reestruturação e insolvência da Morais Leitão. Para este advogado, em vez de criar este novo instrumento, "teria sido melhor alterar mais profundamente o regime legal do Processo Especial de Revitalização (PER), porventura alargando o seu âmbito às empresas em situação de insolvência atual, decorrente dos efeitos da pandemia".

João Tiago Morais Antunes, sócio da PLMJ na área de resolução de litígios, lembra que esta medida está inserida na "legislação de emergência" que "tem sido criada com o objetivo de apoiar as empresas, em especial aquelas que, não fosse esta crise pandémica e a fragilidade que gerou ao nível da sua falta de liquidez, seriam viáveis".

A importância desta medida, a vigorar, para já, até finais de 2021, "ainda que passível de críticas, é imensa", diz por seu turno João Carlos Teixeira, sócio da Antas da Cunha Ecija. "Perante um cenário concreto em que o ordenamento jurídico não dava respostas cabais a tais empresas, foi criado um novo mecanismo para a sua viabilização", explica o mesmo advogado, lembrando, contudo, que "poderia ter sido perfeitamente introduzido na legislação já existente sobre o PER e o Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RER), escusando-se de se criar uma nova ferramenta jurídica em matéria de recuperação".
Susana Santos Valente, sócia da PRA, encontra várias vantagens no PEVE, como "a possibilidade de acesso ao mesmo das micro e pequenas empresas, mesmo que numa situação de insolvência (sem processo em curso) - hipótese que, desde o início da pandemia não existia nos mecanismos de recuperação já previstos na lei". Outros benefícios prendem-se com a "possibilidade de redução da taxa de juros moratórios nos créditos da Autoridade Tributária e Segurança Social, e a extensão do privilégio creditório aos financiamentos pelos sócios". Ainda assim, a advogada entende que "a adaptação de alguns dos meios já implementados no ordenamento jurídico permitiria alcançar os mesmos efeitos".

Já Francisco Patrício, sócio da Abreu Advogados, considera que as alterações que resultam da Lei n.º 75/2020, revelam a consciência do estado das empresas em Portugal, em consequência da crise económica provocada pela covid-19. "Está aqui particularmente presente uma preocupação do acesso à liquidez por parte do tecido empresarial. Nesse contexto são medidas positivas mas não chegam", sentencia.


Da larga abrangência até ao ficar aquém das expetativas

Há quem veja no novo Processo Extraordinário de Viabilização de Empresas (PEVE) um instrumento que fica aquém das expectativas dos empresários. Contudo, face ao contexto, entre os advogados especializados na área das reestruturações e insolvências inquiridos pelo Negócios, há também quem entenda que esta é uma medida abrangente e que abarca um "leque de setores imenso".

Para Francisco Patrício, sócio da Abreu Advogados, o PEVE fica "aquém das reais expectativas dos empresários." Contudo, reconhece que, "nesta fase - em plena segunda vaga do vírus e em que ainda não se sabe o impacto do mesmo na economia - é fácil que se fique aquém".

O mesmo advogado sublinha, em todo o caso, que efetivamente o que faz falta "é regulamentar os novos canais de acesso à liquidez de que tanto se fala [a chamada Bazuca europeia], mas que continua na penumbra, sem concretização suficiente. É esta visão do horizonte que falta aos empresários neste momento".

João Carlos Teixeira, sócio da Antas da Cunha Ecija , entende, por outro lado, que o PEVE, "é suficientemente abrangente porque, em regra, aplica-se a todas as empresas em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente ou atual em virtude da pandemia". Tal como adianta, "o leque de setores a que se pode aplicar esta medida é imenso" e uma das suas vantagens é a sua tramitação ser urgentíssima, sublinha este advogado.

Já a abrangência diferenciada deste processo, relativamente a outros de recuperação já previstos na lei, é medida essencialmente, segundo Susana Santos Valente, sócia da PRA, pela possibilidade de acesso ao mesmo a micro e pequenas empresas que se encontram já em situação técnica de insolvência, facto que não lhes permitiria o acesso ao PER", por exemplo. Naturalmente, sublinha, "esta situação de insolvência tem que relacionar-se com a pandemia".

João Tiago Morais Antunes, sócio da PLMJ , considera que o PEVE consagra "medidas positivas e que já há muito vinham sendo recomendadas, por promoverem quer o financiamento, quer o autofinanciamento da empresa, em especial com recurso a empréstimos dos sócios, com vista à sua efetiva viabilização, o que, atentas as circunstâncias atuais, se impunha mais do que nunca" .