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Covid-19: medidas de apoio à reestruturação de empresas
Jornal de Negócios


Nos últimos dias, têm sido anunciadas, pelo governo português, diversas medidas, excecionais e temporárias, relativas ao impacto na economia da epidemia do Coronavírus - COVID 19. Tais medidas visam, essencialmente, a atribuição de apoios de caráter extraordinário, destinados aos trabalhadores e empregadores afetados pelo surto do vírus COVID-19, tendo em vista a manutenção dos postos de trabalho e mitigar situações de crise empresarial.

Se dúvidas não pode haver de que estas medidas são necessárias, sendo, por isso, de louvar, creio, igualmente, que elas pecam por defeito, já que, segundo os especialistas, antecipa-se um cenário de crise, quase à escala global, quiçá sem precedentes. Digo isto porque, sendo advogado, e trabalhando na área de reestruturação e insolvência, esperava que se anunciasse, desde já, um leque de medidas relacionadas com esta matéria. Tal, ainda, não sucedeu.

Embora reconheça que, nesta altura, possa ser mais importante focarmo-nos em medidas que atribuam, no imediato, apoios que facilitem a manutenção dos postos de trabalho e a acudam à falta de liquidez das empresas, julgo que o Governo deve atentar na legislação relativa à reestruturação e insolvência de empresas: em especial, na primeira, ou seja, a que respeita à reestruturação de empresas, pois que o que se deseja é evitar a insolvências de empresas.

Olhando para o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e legislação avulsa relativa a estes temas, algumas ideias rapidamente assaltam o meu espírito, que, acredito, poderão ajudar as empresas que, por força da situação excecional que vivemos, fiquem em situação de insolvência iminente, ou mesmo de insolvência atual.

Assim, desde logo, em matéria de insolvência, há uma medida excecional e transitória que, à imagem do que foi já anunciado pelo governo alemão, parece fazer todo o sentido transpor para Portugal: suspender a obrigação de apresentação à insolvência, sempre que, cumulativamente, a situação económico-financeira da empresa resulte dos efeitos do COVID-19 na economia e esta empresa tenha, ainda, condições de recuperar, nomeadamente por via da negociação de um acordo com os seus credores. Esta medida que, à primeira vista, poderia supor-se pouco relevante, não o é, na medida em que, de acordo com o CIRE, quando uma empresa esteja em situação de insolvência, deve pedir a declaração da sua insolvência pelo tribunal, sob pena de qualificação da insolvência como culposa, com tudo o que acarreta, em termos de responsabilidade para os administradores, inclusivamente de natureza criminal. 

Mas, provavelmente, ainda mais premente que a medida referida no parágrafo anterior, são as alterações, transitórias e excecionais, que poderão ser introduzidas no regime do Processo Especial de Revitalização (PER) e do Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE). No âmbito destes dois instrumentos de recuperação de empresas, existentes em Portugal, mostra-se, penso, importante desobstruir, com respeito pelos direitos e interesses dos credores, o recurso pelas empresas ao PER e ao RERE e, bem assim, a aprovação de planos de recuperação. 

Para tal, tanto no PER, como no RERE, deverá estabelecer-se um período transitório durante o qual empresas em situação de insolvência atual, mas suscetíveis de recuperação, poderão aceder a estes dois instrumentos de recuperação, dispensando-se deste modo a apresentação, que hoje se exige no PER e no RERE, de uma declaração subscrita por contabilista certificado ou revisor oficial de contas, atestando que a empresa não se encontra insolvente.

Ainda no contexto do PER, sugiro o estabelecimento de um período transitório durante o qual a maioria de votos favoráveis dos credores necessários para a aprovação do plano de recuperação, seja fixada por referência somente aos votos emitidos, por forma a que as abstenções dos credores "desinteressados" deixem de relevar, ao contrário do que sucede atualmente. Também no PER, o legislador poderia, igualmente durante um período transitório, reforçar os privilégios concedidos aos credores que financiem a atividade da empresa no contexto deste processo, e, ainda, conceder incentivos ao "financiamento" da empresa pelos sócios, por exemplo, conferindo uma natureza não subordinada, sempre que esse financiamento ocorra no contexto do PER e durante este período excecional e transitório.

Creio que, nesta situação de crise provocada pela epidemia COVID-19, outras e, possivelmente mais pertinentes, medidas transitórias poderão ser criadas em matéria de reestruturação e insolvência de empresas. O importante, em qualquer caso, é agir rápido, conferindo aos empresários todos os instrumentos que lhes permitam continuar a gerar riqueza, evitando-se, desta forma, a destruição de postos de trabalho.