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Em Lisboa, há cada vez mais pessoas a
usar a bicicleta como meio de transporte. Mas, no que toca à infra-estrutura,
há atrasos na restrição ao acesso automóvel, na aplicação de medidas de acalmia
de tráfego e ainda ciclovias mal desenhadas e, quando comparada com outras
capitais europeias, a cidade ainda manifesta sintomas de “falta de coragem
política”. Esta é a opinião do especialista em mobilidade urbana sustentável
Mário Alves, com quem aSmart Citiesfalou
sobre o que a capital portuguesa tem feito para promover o uso da bicicleta e
qual deve ser a estratégia para reduzir a utilização do automóvel particular. Em 2016, anunciaram-se
200 km de ciclovias em Lisboa, cujas obras deveriam ter sido concluídas em
2018. A verdade é que grande parte das obras não foi concretizada. Que balanço
faz? Lisboa passou por muitas fases em
relação à promoção do uso da bicicleta. Já há mais de dez anos que se anda a
puxar por este modo de transporte. No início, mais fora das zonas centrais,
numa ligação de corredores verdes, do vereador Sá Fernandes, que vinha das
ideias de Ribeiro Telles, mas isso também não servia os locais de emprego, as
universidades, e, portanto, não era uma rede quotidiana que se desejasse.
Depois, houve muitos pára-arranca ao longo deste processo. Infelizmente, em
Portugal as coisas são um bocadinho aos soluços. Há sempre um ano eleitoral,
que convida que se façam muitas inaugurações. As coisas vão sendo
feitas por causa das eleições? Há, de facto, esta ideia de concentrar
obra no ano eleitoral, que é algo que tem de desaparecer e Portugal tem de ter um
procedimento mais consistente - isto em relação a todas as câmaras do país.
Poupam dinheiro para gastar no ano eleitoral. Lisboa não está fora deste
esquema. É importante perceber que, quando falamos de bicicleta, não podemos
falar só de obras e ciclovias. Até agora, Lisboa é a única capital europeia que
não tem um plano de mobilidade sustentável que integre todos os modos de
transporte de uma forma coerente – e a bicicleta é parte integrante deste
plano. Sei que, neste momento, há uma equipa que está a trabalhar nisso na
câmara de Lisboa, mas o que é certo é que foram décadas sem haver um plano. E,
não havendo um plano, as coisas vão um bocadinho aos trambolhões, com altos e
baixos, com os hiatos e entusiasmos momentâneos. O retrato geral é um pouco desigual,
mas com progressos positivos ao longo dos anos. Nota-se que a qualidade das
ciclovias é muito melhor agora do que era há 15 anos, em que eram, muitas
vezes, feitas em cima do passeio e mal feitas, com problemas de segurança.
Hoje, nota-se que o Eixo Central e a av. Duque de Ávila já revelam alguma
qualidade, apesar de alguns problemas e erros pontuais. Nós, como utilizadores
de bicicleta, somos bastante exigentes porque acabamos todos por ser um pouco
especialista no assunto ao estudar boas práticas europeias. É óbvio que há
erros, mas progressos positivos. Não se avançou noutros
eixos, como a ligação entre o Marquês de Pombal e a baixa da cidade. Não se
devia estar a tirar partido do sucesso da intervenção no Eixo Central para
executar as ligações que ainda estão por fazer? Eu acho que tem muito a ver com estas
tácticas e estratégias de concentrar obra e inaugurações em anos eleitorais.
Vemos o Eixo Central, da av. da República, como uma obra que era apresentada às
eleições e agora estamos a ter um compasso de espera. Claro que as promessas
que foram feitas há dois anos – muitos quilómetros de ciclovias – não foram
cumpridas, mas sabemos que estão a trabalhar nisso. O que acontece, também – e
insisto nisso – é que não podemos estar a pensar que o encorajar do andar de
bicicleta tenha a ver com ciclovias somente. Há muitas coisas que podem ser
feitas e, no fundo, esta obsessão que as pessoas têm com as ciclovias quase que
reflecte a obsessão que os portugueses e os políticos portugueses tinham com a
rede viária nos anos 80 e 90. Como é que se encoraja
o uso da bicicleta? Há muitas maneiras de o fazer. Desde
acalmias de tráfego – isto é, fazer uma cidade que seja segura para todos, para
os idosos para as crianças, para os peões, para os utilizadores de bicicleta –,
redução de velocidades, acalmias de tráfego, zonas 30, zonas 20. Há muito
trabalho a fazer que não implica ciclovias. Claro que, nas avenidas principais
e quando há grandes velocidades ou grande volume de tráfego, teremos de fazer
eixos de ciclovias, tal como se fez no Eixo Central. Mas não podem ser feitas
com metade da convicção, ou sem convicção. Foi o caso da av. da Liberdade, em
que as laterais são uma grande confusão para quem usa bicicleta. Têm de ser
usadas, no início, de um lado, e depois do outro, e, portanto, não espanta que
muita gente use os passeios – e isso é perigoso para os ciclistas, para os
peões e não é a maneira de incentivar as bicicletas. Por que é que estamos a
ter este hiato? Bom, esperemos que, agora, nos anos finais até às eleições,
haja, de facto, um novo alento. “Neste momento, estamos na lua-de-mel da Gira, está a
ser um sucesso muito grande, mas, em Portugal, temos muito tendência a investir
e, depois, não haver investimento de manutenção e afinamento do sistema". Não investimos mais em
infra-estrutura para as bicicletas para não afrontar o espaço do carro nas
cidades? Por que é que também há uma certa
concentração ou uma certa vontade de fazer ciclovias, muitas vezes, com pouca
convicção e só para ganhar fundos do Portugal 2020? Porque geralmente, nas
ciclovias, ou se usa os passeios – que é extremamente errado e mau para os
utilizadores de bicicleta e para os peões –, ou usa-se a parte da gordura das
estradas. Isto é, as ruas são tão gordas que, às vezes, é possível encontrar
espaços para fazer ciclovias. Sem afrontar a circulação automóvel e sem ser uma
dificuldade política, consegue-se fazer ciclovias até certo ponto. O problema é
quando se chega às zonas com menos espaço, as zonas centrais. A partir daí, ou
se faz acalmias de tráfego, o que também é, politicamente, às vezes, difícil,
porque as pessoas não gostam, ou se faz a restrição do uso do automóvel, que é
o que se está a fazer em Madrid, Oslo, Londres, Paris, o que também é difícil
politicamente. Por isso é que, muitas vezes, em Portugal, as ciclovias são
feitas fora das zonas urbanas e de forma segregada e [depois] espera-se que,
por milagre, os utilizadores de bicicleta apareçam. Só que há muito mais a
fazer ao nível da restrição automóvel, da diminuição das velocidades dos
automóveis. É também muito importante [fazer] campanhas e, no fundo, ter uma
narrativa de futuro. Isto, politicamente, é fundamental. Estamos a falar de um
plano de mobilidade. Um plano de mobilidade dá-nos uma narrativa de futuro
positiva. Isto é, um futuro que se desenha, se deseja e se partilha. Enquanto
houver medidas ziguezagueantes, o processo é atabalhoado. Há falta de vontade
política, é isso? Acho que Lisboa, sinceramente, é dos
municípios que tem mostrado mais vontade política a nível nacional. E num contexto
europeu? Num contexto europeu, acho que ainda há
falta de coragem política e, objectivamente, todos os políticos têm de ter
presente o que é ou não popular. E claramente a sociedade portuguesa dos anos
80-90, armou-se de automóveis. As famílias compraram automóveis a diesel.
Primeiro, o homem, depois, a mulher, depois, os filhos. A partir daí, a
sociedade portuguesa ficou extremamente dependente do automóvel e,
politicamente, isso torna difícil tomar medidas que restrinjam o seu uso e
favoreçam outros modos. Por isso é que se vêem passeios com meio metro,
estacionamento excessivo e é difícil, politicamente, restringir o
estacionamento. Uma das medidas mais simples de restrição do acesso automóvel
ao centro da cidade é a redução do número de lugares de estacionamento. Em Lisboa, a EMEL
continua a construir parques de estacionamento dentro da cidade. Pois... E não há uma narrativa forte e
coerente sobre o assunto. Por vezes, dizer-se que se quer reduzir o número de
carros na cidade, outras promete-se mais estacionamento, de acordo com a
audiência ou o momento. O que é que isso diz
da política da autarquia? Diz que, de facto, não há uma narrativa
muito forte a explicar às pessoas que há crianças a morrer com asma,
utilizadores de bicicleta que morrem atropelados ou que temos dos piores
índices europeus ao nível do atropelamento de peões. Não há uma comunicação
muito clara do diagnóstico e, depois, das medidas necessárias. Das medidas a
curto e longo prazo, o que se consegue com um plano de mobilidade participado,
transparente, aprovado e eficaz. Porque o plano de mobilidade também estrutura
a participação pública. Dos peões, dos utilizadores de bicicleta, do ACP...
Todos deviam participar. E, ao participar, conseguem perceber aquilo que se
está a tentar fazer. Enquanto não houver uma comunicação estruturada, nem um
plano, as coisas são um bocadinho espontâneas, sem grande lógica,
principalmente para quem está de fora da câmara.