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Governo e BE às avessas sobre os apoios sociais. Tudo o que muda nas ajudas aos trabalhadores
Expresso


Apoio social criado para trabalhadores em situação de desproteção económica foi alargado. Passam a estar abrangidos trabalhadores independentes sem atividade aberta em 2019 e os que registaram quebra de rendimentos no primeiro trimestre de 2021. Condição de recursos mantém-se, mas foi flexibilizada. Além da habitação própria, cálculo do apoio deixa de considerar o património imobiliário até 197,5 mil euros.

Nas últimas semanas várias foram as mudanças nos apoios sociais criados para minimizarem os efeitos da crise. Depois de o Parlamento mudar os apoios extraordinários de emergência destinados, sobretudo, a trabalhadores independentes e sócios-gerentes, o Governo fez marcha-atrás também na nova prestação social, a que chamou de Apoio Extraordinário ao Rendimentos dos Trabalhadores (AERT), que não estava a atingir os objetivos de abranger 250 mil pessoas. Mas nem todas as mudanças são pacíficas para o Bloco de Esquerda, que diz que o Governo está a boicotar as alterações feitas pelo Parlamento.

Começando pelo apoio extraordinário para trabalhadores independentes e sócios-gerentes. A alteração aprovada pelo Parlamento entrou esta quinta-feira em vigor. No mesmo dia, o Conselho de Ministros aprovou uma "cláusula de salvaguarda" para que, justificou a ministra Ana Mendes Godinho, não haja ninguém a receber menos do que recebia antes. Esta mudança não levantou problemas, apesar de politicamente servir a guerra que tem existido entre o Governo e a oposição: por um lado, o Governo diz que essas alterações da oposição aumentavam bastante as prestações a pagar (uma vez que passam a contar com todo o rendimento de faturação dos trabalhadores e não com o descontado para a Segurança Social) e por outro lado dizia que poderiam surgir injustiças e até prestações que poderiam baixar de valor.

Se esta mudança no apoio extra não levantou problemas, outra houve que deixou o BE e as associações de precários de cabelos em pé. Na conferência de imprensa do Conselho de Ministros, Ana Mendes Godinho referiu que os pagamentos ao abrigo das novas regras sõ terão efeito em Maio, uma vez que o mês de referência para os pagamentos de Abril é o mês anterior, quando a lei ainda não estava em vigor. Para o BE, em Maio já será um "número substancialmente inferior de beneficiários, possivelmente menos de metade das pessoas", uma vez que este apoio implica que haja suspensão da atividade e estas já estão a reabrir. E por outro lado, lembra o BE, "todas as correções feitas nos apoios produzem efeitos de modo a poderem abranger o período de emergência em que as atividades estiveram suspensas, menos o reforço do apoio que o parlamento decidiu. O Governo, que sempre se opôs a este reforço, quer assim, na prática, boicotar o seu efeito imediato", lê-se numa nota enviada à imprensa.

E A NOVA PRESTAÇÃO SOCIAL?

Se em relação aos apoios extraordinários o braço-de-ferro não passa, em relação ao AERT, o Governo aprovou medidas que a própria oposição poderia vir a apresentar mais tarde.

Esta semana, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, afirmou no Parlamento que iria mexer nas regras do AERT, dando razão às críticas de que não estava a abranger todas as pessoas que dele necessitavam. Já na semana passada, em declarações ao Expresso, tinha admitido a necessidade dereavaliação da prestação social, que, segundo contas do MTSSS abrangia ainda apenas 39 mil pessoas, das 250 mil de potencial previsto. As mudanças acabaram por ir mais longe.

Esta quinta-feira, em Conselho de Ministros, o Governo decidiu várias mudanças substanciais ao AERT, defendendo Ana Mendes Godinho que o objetivo era que com estas mudanças "mais pessoas possam aceder" à prestação. "Fizemos uma grande alteração ao AERT no âmbito deste compromisso de monitorizar as medidas, procuramos fazer uma avaliação do que devia ser corrigido e alterado".

AFINAL, QUAIS AS DIFERENÇAS ENTRE O QUE ERA E O QUE É AGORA ESTE NOVO APOIO?

Quais eram as regras do AERT?

O AERT foi pensado para apoiar trabalhadores em situação de desproteção económica, ora por que se encontrem em situação de desemprego involuntário e sem acesso a proteção, ora por terem perdido proteção no desemprego este ano, ora ainda por registarem quebras significativas de faturação. O instrumento criado pelo Governo no âmbito do Orçamento do estado para 2021 abrange trabalhadores por conta de outrem e independentes, mas também sócios-gerentes, trabalhadores da designada economia informal e estagiários, cada um cumprindo diferentes critérios de acesso.

Até às alterações que o Governo introduziu ontem ao desenho da medida, o acesso ao AERT exigia que os profissionais cumprissem a designada condição de recursos. Ou seja, os rendimentos mensais do agregado familiar do requerente não podiam, no âmbito deste apoio, ultrapassar 501,16€ (por adulto). Destes cálculos exclui-se o imóvel destinado a habitação permanente do agregado familiar. O requerente não podia também possuir património imobiliário, além da habitação própria. A par da condição de recursos, que é transversal a todos os requerentes, independentemente do grupo profissional em que se insiram, há regras específicas para cada grupo profissional.

Para os independentes, por exemplo, eram três as condições de acesso: que tivessem terminado o subsídio de cessação de atividade em 2021 ou tivessem atividade sujeita ao dever de encerramento por decreto governamental; fossem considerados economicamente dependentes (situação em 2019) e ficassem em situação de desemprego involuntário e sem proteção, mas que tivessem pelo menos três meses de contribuições pagas, nos últimos 12 meses; e independentes com quebra de rendimentos e que, cumulativamente, tivessem pelo menos três meses de contribuições nos últimos 12 meses à data do requerimento, mas também quebra do rendimento relevante médio mensal no período de março a dezembro de 2020 (face ao rendimento médio mensal de 2019) superior a 40%, e ainda quebra do rendimento relevante médio mensal da última Declaração Trimestral (também face a 2019) superior a 40%.

Poderiam ainda ser abrangidos trabalhadores que não se enquadrem nas situações acima descritas, mas que tenham registo na Segurança Social a partir de janeiro de 2019 e que tenham atividade como trabalhador independente no mês de referência do apoio. Já para os empresários em nome individual, apenas poderiam requerer os que estivessem exclusivamente abrangidos pelo regime dos trabalhadores independentes e sujeitos ao cumprimento da obrigação contributiva em pelo menos três meses seguidos, ou seis interpolados, há pelo menos 12 meses.

Para beneficiar do AERT, os sócios-gerentes teriam ainda de estar em situação comprovada de paragem total da sua atividade ou da atividade do respetivo setor, em consequência da pandemia da doença COVID-19, registar quebra abrupta e acentuada de, pelo menos, 40% da faturação no período de 30 dias anteriores ao do pedido, face à média mensal dos dois meses anteriores a esse período, ao período homólogo do ano anterior ou, para quem tenha iniciado atividade há menos de 12 meses, à média desse período.

Que alterações foram aprovadas?

O Governo aprovou em Conselho de Ministros três alterações-chave a estas regras.

Primeiro, alargou o apoio a trabalhadores independentes sem atividade aberta ou sem atividade em 2019, que estavam excluídos do apoio e passou a abranger trabalhadores que tenham registado quebra de rendimento no primeiro trimestre de 2021.

Depois, flexibilizou a condição de recursos. Deixa de ser considerado o valor do património imobiliário, além da habitação própria, até 450 IAS (Indexante de Apoios Sociais), ou seja 197,5 mil euros.

Quando entram em vigor as alterações?

As medidas entrarão em vigor assim que publicadas em Diário da República, mas têm efeito retroativo a janeiro deste ano. O que significa que os processos que estavam pendentes para análise (cerca de 21 mil, segundo avançou a ministra do Trabalho, esta semana) serão novamente analisados já tendo em conta os novos critérios.