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Sistema de justiça de novo em risco com segunda vaga
JORNAL DE NEGÓCIOS


Suspensão de processos, de prazos judiciais, de diligências ou de julgamentos marcaram o sistema de justiça na primeira fase da pandemia. Os atrasos foram inevitáveis e o receio agora é de que a situação possa voltar a repetir-se.

"Aquando da primeira vaga da covid-19, o Governo decretou a suspensão de todos os processos não urgentes por um período de quase de três meses, o que ditou um estrangulamento do nosso sistema de justiça, com a suspensão de prazos judiciais e o adiamento ‘sine die’ de milhares de diligências", evidencia Fernando Aguilar de Carvalho, advogado e sócio da Uría Menéndez - Proença de Carvalho. E adianta que se a isso somarmos "a não alteração do regime das férias judiciais de verão, os tribunais e os processos não urgentes estiveram praticamente parados durante metade dos primeiros nove meses do ano".

Muito embora uma nova suspensão generalizada de processos não urgentes esteja fora de questão, o mesmo advogado diz ter receio de que, "sobretudo ao nível do agendamento e realização de audiências de julgamento, voltemos a assistir a constrangimentos e adiamentos que comprometerão a necessária recuperação dos atrasos causados pela primeira vaga da covid-19".

Ricardo Nascimento Ferreira, sócio da Morais Leitão, considera ser "previsível que algumas dessas indefinições se mantenham nesta segunda fase da pandemia, nomeadamente no que respeita à realização de diligências judiciais - com cancelamentos, adiamentos e atrasos nas diligências e com dúvidas sobre as condições logísticas da sua realização". Contudo, este advogado entende que "há um esforço comum, por parte dos vários intervenientes, no sentido de procurar normalizar ao máximo a atividade da justiça, garantindo as necessárias condições de segurança de todos os envolvidos".

Problemas de ordem meramente técnica

O sistema de justiça, na vertente do funcionamento dos tribunais, "deparou-se principalmente com problemas meramente técnicos" nos primeiros meses de pandemia, entende André Navarro de Noronha, sócio da firma de advocacia Telles. Conforme adianta, "foram criados os meios e os suportes para a prática da generalidade das diligências à distância, mas o sistema aparentemente não foi dimensionado de modo a assegurar o seu funcionamento eficaz".

Em sua opinião, embora "a realização de diligências sem ser presencialmente no tribunal levanta questões de fidedignidade e imediação, é infinitamente melhor do que simplesmente adiar a sua realização por tempo indeterminado e a experiência dos nossos agentes de justiça, nomeadamente dos magistrados, permitirá apreender bem o conteúdo da diligência e a sua fidedignidade. Será um mal menor e necessário".

É aliás essa a perspetiva Pedro Botelho Gomes, sócio e administrador da JPAB-José Pedro Aguiar-Branco Advogados. Nesse sentido, este advogado entende que é absolutamente essencial que o sistema da plataforma WEBEX funcione bem, o que não tem acontecido", critica.

Não se prevê nesta fase o encerramento dos tribunais nem qualquer suspensão dos prazos judiciais, situação que, para Pedro Botelho Gomes, constituiu "um grave entrave ao trabalho dos advogados em geral e à realização da Justiça em si mesma". Por outro lado, sublinha o sócio da JPAB, "os tribunais têm sido um parente pobre nos cuidados a ter por quem os dirige e por quem decide". Até por isso, sublinha, "importa reforçar medidas de segurança, criar condições para que quem os frequenta tenha algum conforto e se sinta seguro".

Com pragmatismo, Fernando Aguilar de Carvalho entende que as dificuldades vão voltar a surgir. "Ainda que em menor escala, antecipo que o funcionamento do sistema de justiça voltará a ser negativamente impactado pelas medidas agora anunciadas pelo Governo e por aquelas que se poderão seguir, deixando sequelas que perdurarão por longos meses", sentencia este advogado.


Experiência antes ganha facilita apoio a dar aos clientes

Face às restrições que se avizinham com a declaração de um novo período de estado de emergência, quais poderão ser os maiores obstáculos para a atividade das sociedades de advogados no apoio aos clientes? Pese embora a experiência acumulada no teletrabalho, a troca de ideias, presencialmente, com os responsáveis das empresas a que dão apoio continua a ser preferida pelos advogados ouvidos pelo Negócios. Esse será um dos desafios. Outro será ter de dar especial atenção aos clientes mais afetados pela crise económica.

Ricardo Nascimento Ferreira, advogado e sócio da Morais Leitão, lembra que "a advocacia é, por natureza, uma profissão muito dependente de contactos presenciais, seja com os clientes, com colegas de trabalho ou com entidades públicas", pelo que as medidas de restrição e confinamento "vão obrigar a um esforço adicional de adaptação para não se perder a qualidade do serviço prestado aos clientes". Em particular, diz o mesmo advogado, "aos clientes mais afetados pela crise económica".

Também para Fernando Aguilar de Carvalho, sócio da Uría, o maior e mais imediato obstáculo será a restrição à movimentação e ao contacto entre pessoas. "A advocacia, em particular na área do contencioso e arbitragem, depende em larga medida da relação de proximidade e dos contactos pessoais entre o advogado e o cliente", lembra Aguilar de Carvalho, embora admita que "a experiência adquirida e o recurso às novas tecnologias ajudarão a superar os impactos destas medidas".

É igualmente este o raciocínio de André Navarro de Noronha, sócio da Telles: "Mesmo na relação direta com os clientes, estamos todos - nós e eles - bem adaptados à nova realidade." O advogado avança apenas com a questão que envolve a prática de atos notariais que pressuponham assinaturas presenciais, defendendo que se regule a prática desses atos à distância e por recurso a meios eletrónicos.

Pedro Botelho Gomes, administrador da JPAB, sublinha que a experiência da primavera passada deixa a equipa da sociedade mais confortável para enfrentar o novo pico pandémico. "Diria que o momento do nosso trabalho em que pode fazer mais falta uma presença física pessoal é, essencialmente, o do primeiro contacto com um novo cliente. Mas até isso fizemos no escritório e com resultados muito positivos", enfatiza.