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Como a pandemia mexeu com os planos das maiores empresas do país
EXPRESSO


Da Caixa Geral de Depósitos ao Santander e ao BPI, da Caixa Agrícola ao Montepio, da Galp à EDP, da Altice à NOS e Vodafone, mas também da indústria que exporta, como a Bosch e a Continental, aos grandes grupos de distribuição, como a Sonae: as maiores empresas do país sentiram a crise provocada pela pandemia, mas o impacto nos respetivos negócios foi distinto, como diferentes foram as respostas e ajustamentos de estratégia.

A larga maioria das empresas portuguesas tem reduzida dimensão e vem atravessando dificuldades hoje bem conhecidas: falta de liquidez, balanços débeis, elevada incerteza sobre a sua própria sobrevivência num quadro de agravamento do impacto da pandemia na procura interna. Mas como é nos grandes grupos? Para lá da necessidade de ajuste de rotinas e do recurso ao teletrabalho, o impacto económico da pandemia provocou mudanças nos planos estratégicos desenhados até ao início do ano? O que mudou na gestão?

Se em vários grupos não houve propriamente desvios bruscos na rota que estava a ser seguida, outros houve em que algumas opções que vinham de trás foram acentuadas. A digitalização é uma tendência transversal a distintas atividades económicas no relacionamento com os clientes, da banca ao retalho, passando pela energia. Nas telecomunicações é tempo de investir no reforço das redes. Na Galp é hora de pensar em acelerar a transição energética, com o consumo de combustíveis a cair a dois dígitos. Na Sonae o reforço da liquidez em 2020 é chave para enfrentar 2021 com maior segurança.

Ao Expresso mais de uma dezena das maiores empresas do país falaram do impacto da pandemia nos seus negócios e nas suas estratégias. Eis as suas preocupações e expectativas.

BANCA PRESSIONADA PARA TRANSFORMAÇÃO

Ajustar o negócio, conter custos e gerir a continuidade das taxas de juros negativas num ambiente de uma crise sem precedentes e cujo tempo de cura é ainda incerto são alguns dos desafios dos bancos em Portugal. Todos os que responderam ao Expresso - CGD, Santander, BPI, Caixa Agrícola e Banco Montepio - partilham destas preocupações, embora nenhum confesse que o impacto da crise, pelo menos até ao final de 2020, se refletirá em prejuízos: admitem lucros, embora mais magros.

Porém a pandemia colocou o pé no acelerador num aspeto que já estava em curso: a transformação para uma banca mais digital. Quer a CGD quer o Santander e também o BPI sublinham esta mudança como óbvia. “A adesão dos clientes às plataformas bancárias digitais e aos cartões de pagamento foi evidente”, afirma o banco público. Já o BPI adverte: “o mundo mudou e a transformação para o digital também é ditada pelos clientes - vão menos aos balcões - e por isso há que agilizar respostas”. No mesmo sentido, o Santander sublinha: “a taxa de crescimento trimestral dos nossos clientes mais do que duplicou” nas plataformas digitais.

A crise está a ser gerida com cautelas acrescidas. No horizonte estão preocupações que só a partir do próximo ano poderão ter respostas e que têm a ver com o grau de recuperação das empresas mais afetadas pela pandemia, que parece não ser muito animador. Mas mais uma vez isso depende da exposição de cada banco e da capacidade das famílias e empresas quando tiverem de começar a pagar as moratórias destinadas a amortecer o violento impacto do surto pandémico.

O Crédito Agrícola diz que a gestão que está a fazer “é muito cautelosa“ e “prudente com vista à sustentabilidade financeira”. Sublinha por isso mesmo a recomendação dos supervisores na constituição de imparidades por antecipação que os bancos estão a fazer. Já o Montepio refere apenas que “a pandemia, de um modo geral, obrigou à readequação dos planos de gestão de todas as instituições, independentemente do seu sector de atividade” e que foi “necessário ajustar objetivos e medidas e adotar um programa de ajustamento multidimensional e plurianual”, com o “objetivo de tornar o banco mais eficiente e rentável”.

Menos trabalhadores e menos balcões é também um dado adquirido, mas com várias velocidades, dependendo não só do que já foi feito mas também da digitalização em curso e cada banco já está a fazê-lo, uns com maior evidência do que outros. O banco Montepio é o exemplo mais evidente, com um processo de saídas em curso até 900 trabalhadores.

Entre a gestão da crise, do controlo de custos e de um aumento expetável de imparidades e da resposta que consideram ter sido “adequada” por parte do supervisores, os bancos consideram que fundamental mesmo é colocar a economia a crescer. Até porque se a economia não crescer o negócio encolhe e se as empresas não sobreviverem a banca ressentir-se-á muito mais.

Nesse sentido, para o Santander “vai ser muito importante uma boa utilização dos fundos europeus que vêm para Portugal e sobretudo ter prioridades claras quanto ao futuro a médio e longo prazo, apostas que permitam reanimar rapidamente a economia no imediato mas que também apostem em investimentos reprodutivos que tenham efeito duradouro para a sustentabilidade do país”.

Por seu turno, a CGD afirma haver “uma conjugação de interesses para ajudar a economia, como não havia há muitos anos e não houve na última crise”, mas adverte que “o negócio bancário tem de ter as mesmas regras na União Bancária que se pretende concretizar, sob pena de termos condições de concorrência muito diferentes”. Acrescenta que “é preciso ter em atenção a necessidade de tesouraria das empresas, sobretudo quando as moratórias terminarem. E ter atenção especial aos sectores da economia que foram particularmente afetados, como o turismo”.

O Crédito Agrícola adianta que “os apoios que virão da União Europeia para a economia portuguesa deveriam ser canalizados em grande medida para a modernização do tecido empresarial, para formação dos seus quadros e para apoio à quebra de rendimento das pessoas, empresários em nome individual e pequenos negócios”.

INDÚSTRIA EXPORTADORA, ESTRATÉGIAS DIFERENTES

A Continental Mabor, uma das maiores exportadoras nacionais teve um arranque lento depois da paragem de três semanas entre março e abril e está a trabalhar abaixo da capacidade, mas admite poder contratar alguns trabalhadores “mais para o final do ano”.

Pedro Carreira, presidente da fabricante de pneus do grupo alemão Continental, admite, no entanto, ser “impossível fazer qualquer estimativa com mais de uma semana de antecedência“. “É uma nova realidade a que não estávamos habituados”, diz o gestor, que em tempo de pandemia travou investimentos para “uma reavaliação face a novas realidades” e não lançou novos produtos.

“Atualmente, a nossa realidade é produzir no dia anterior exatamente o que nos pedem para entregar no dia seguinte. A complexidade com que trabalhamos nunca foi tão elevada como agora”, comenta. Quanto aos mercados, há ritmos diferentes, e apesar de alguns estarem “comparativamente melhores”, designadamente do lado da Coreia do Sul e Estados Unidos, o desempenho da Europa é negativo. Com 2300 trabalhadores e um volume de negócios próximo dos €900 milhões em 2019, a empresa investiu mais de €890 milhões nos últimos 30 anos em Famalicão.

Na Bosch, com 6300 trabalhadores no país e um volume de negócios de €1,8 mil milhões em 2019, a ordem é para “continuar a investir em pessoas, talento, inovação e tecnologia porque só assim é possível garantir o sucesso futuro”, diz o responsável do grupo alemão em Portugal, Carlos Ribas, à espera de fechar o ano fiscal com contas equilibradas ou, na pior das hipóteses, perdas residuais.

O gestor considera que para lá da “carga negativa” da crise, a pandemia teve “consequências positivas”, como a aceleração nas áreas da digitalização, inteligência artificial, motores alternativos aos combustíveis fósseis, comércio online e procura de soluções mais sustentáveis”. Mas exigiu à empresa “medidas muito restritivas de gestão e contenção de custos”.

O grupo, que em julho inaugurou uma nova área de investigação e desenvolvimento em Ovar, num investimento de €2,1 milhões que trouxe a contratação de 40 engenheiros, refere que o segmento de bens de consumo está a ter resultados recorde e a procura de sistemas de videovigilância e monitorização de praias aumentou. Tendo apostado, também, numa solução já aprovada pela Direção Geral de Saúde (Vivalytic) que permite testar a covid em 39 minutos, sem necessidade de recorrer a laboratórios, a Bosch admite uma dicotomia entre segmentos que sofreram com a pandemia e outros onde cresce acima das previsões.

Depois da contração no segundo trimestre, Carlos Ribas está a negociar projetos de inovação para a mobilidade, casas inteligentes, cidades inteligentes, indústria 4.0. Acredita que a Bosch está “no caminho da recuperação, mas essa tendência depende muito da evolução da pandemia”.

DISTRIBUIÇÃO: SONAE APOSTA NA SOLIDEZ E NAS MÁSCARAS

No grupo Sonae, com 45 mil trabalhadores, a pandemia veio acelerar a adesão ao teletrabalho, mas também investimentos de €113 milhões, em especial no digital e na logística, na área do retalho alimentar, com a Sonae MC a absorver €89 milhões e a aplicar mais €13,5 milhões no âmbito das medidas de combate à covid. Houve novas contratações, apesar do grupo liderado por Cláudia Azevedo apresentar apenas dados agregados no que respeita a postos de trabalho, dizendo que contratou mais de mil pessoas nos últimos 12 meses.

Os resultados do primeiro semestre, marcados por "um aumento das vendas online sem precedentes" que obrigaram a reforçar operações, mostram que os dias de pandemia trouxeram um aumento de faturação de 6% (€3,1 mil milhões), mas levaram os resultados líquidos para o vermelho (-€75 milhões), contra lucros de 38 milhões nos primeiros seis meses de 2019. No entanto, a dívida foi reduzida em €498 milhões e a estrutura de capitais foi reforçada através de operações de refinanciamento que totalizaram €650 milhões porque “é essencial manter uma posição financeira sólida para enfrentar o futuro com confiança”, diz a gestora.

A covid-19 levou a empresa a colocar o foco no aumento da liquidez, na redução das amortizações previstas para os próximos anos, no aumento da maturidade média da dívida, para a Sonae fechar junho com €614 milhões de linhas disponíveis e €595 milhões de liquidez.

Do lado dos produtos, a covid está também em destaque: a máscara inovadora contra a covid-19, desenvolvida numa parceria entre a Mo e a têxtil Adalberto, já chegou a 30 países e vale 10% das vendas da marca de moda do grupo.

ENERGIA: DIFERENTES RESPOSTAS PARA A QUEDA DE CONSUMO

Um dos primeiros negócios a ser atacado pela pandemia foi o dos combustíveis, cujo consumo caiu a pique. A Galp sentiu-o imediatamente. Logo em abril, anunciou um corte de €500 milhões no investimento previsto para este ano e suspendeu a produção nas Refinarias de Sines e Matosinhos. “Podemos sintetizar a adaptação ao contexto pandémico em dois tempos de resposta: o mais imediato, respondendo às contingências mais prementes, e o de médio-longo prazo, afinando a execução da nossa estratégia”, conta ao Expresso o presidente executivo da Galp, Carlos Gomes da Silva.

O reajuste de estratégia da petrolífera, aponta o gestor, implicou “recalendarização dos investimentos” e “iniciativas de otimização de custos”. E houve “áreas para as quais o contexto funcionou como acelerador”, como a aposta em negócios ligados à economia sustentável: 46% dos €724 milhões que a Galp investiu até setembro foram para a nova unidade de negócio das renováveis.

Carlos Gomes da Silva diz ainda que a Galp está a avaliar opções que tornem as atividades industriais “mais resilientes”, ponderando em particular o coprocessamento nas refinarias de “outro tipo de matérias primas reutilizáveis no contexto da economia sustentável, na produção de biocombustíveis ou no hidrogénio verde”.

Para outro gigante energético nacional, a EDP, a pandemia trouxe uma queda do consumo de eletricidade, mas no essencial a estratégia da empresa seguiu linhas que vinham de trás, como o reforço da aposta nas renováveis e abandono das centrais a carvão. “A digitalização, outro dos pilares que esta pandemia veio acelerar, é uma das áreas em que também já nos tínhamos posicionado, com um plano de investimento de €800 milhões até 2022”, afirmou ao Expresso o presidente executivo interino da elétrica, Miguel Stilwell. E nem a pandemia travou um aumento de capital de €1000 milhões para financiar a compra da espanhola Viesgo.

“A pandemia provocou também uma maior consciencialização global sobre o perigo das alterações climáticas. Na EDP, fez-nos reforçar o nosso compromisso com a descarbonização, que pretendemos manter e até acelerar”, nota Miguel Stilwell.

COMUNICAÇÕES : TRÁFEGO SOBE, REDE REFORÇADA

No sector das telecomunicações, julho foi mês de abrir portas depois do confinamento. A comissão executiva da Altice Portugal pôde retomar reuniões e périplos de negócios e investimentos. Pode ter sido um primeiro passo rumo à normalidade dos gestores, que se deslocaram recentemente aos Açores para anunciar a cobertura do arquipélago em fibra ótica, mas também serviu para dar continuidade a um programa de expansão da rede que, à primeira vista, aparenta não ter sofrido com a chegada da pandemia.

Segundo a Altice, o objetivo de ligar 5,3 milhões de lares em fibra ótica foi antecipado em seis meses e a liderança nos serviços de TV pagos também foi alcançada em plena pandemia. O investimento (CAPEX) seguiu em crescendo: €218,2 milhões durante o primeiro semestre de 2020, o que representa um crescimento de 11,1% face ao mesmo período do ano anterior. “Face ao aumento de tráfego, a Altice Portugal tem vindo a reforçar a capacidade das redes sempre que tal se justifique”, refere a operadora.

Na Vodafone e na NOS também se procedeu ao reforço da rede para dar resposta a quem estava em casa. À semelhança do sucedido durante o período de confinamento, a Vodafone garante que vai continuar a monitorizar a qualidade de serviço, a fim de apurar quais os “ajustes” que terão de ser feitos na rede. “A nossa expectativa é de que a segunda fase desta pandemia não acarrete exigências de rede substancialmente diferentes daquelas que ocorreram na primeira fase”, refere a Vodafone.

Já a NOS confirma que procedeu ao reforço e à reconfiguração das redes e acredita que essas medidas garantem a capacidade para monitorizar e dar resposta às necessidades que eventualmente venham a ser registadas durante a atual fase pandémica. A operadora informa ainda que a pandemia implicou um acréscimo de investimentos na expansão da rede que se cifrou em €171,8 milhões e diz estar “preparada para o crescimento do tráfego que se espera para a segunda fase da pandemia”.