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Imposto holandês para travar fuga de empresas deve passar crivo da UE
JORNAL DE NEGÓCIOS


As regras da União Europeia não impedem as autoridades holandesas de, se assim entenderem, aprovarem legislação com vista à aplicação de um imposto à saída capaz de dissuadir as grandes empresas de transferirem a respetiva sede fiscal para outra jurisdição a fim de pagarem menos impostos. A questão está a gerar controvérsia na medida em que a Holanda detém dos regimes fiscais mais favoráveis para as empresas e é habitualmente alvo de crítica por promover competição fiscal no seio da UE.

A tributação à saída está enquadrada na União pelo artigo 5.º da Diretiva Anti-Elisão Fiscal (ATAD, na sigla inglesa), que tem como objetivo evitar que empresas deslocalizem ativos para evitarem ser tributadas ou para o serem de forma mais vantajosa do que na origem. Aquela diretiva tinha de ser transposta para a legislação nacional dos Estados-membros até ao final de 2019 e está em vigor desde 1 de janeiro. O Negócios sabe que a Comissão Europeia tem vindo a verificar se a ATAD já foi transposta.

É uma proposta que visa criar um imposto à saída que recaia sobre lucros universais (obtidos dentro e fora da Holanda), que abrange reservas ocultas e dividendos e que funciona através da retenção na fonte de dividendos quando o Estado de entrada não aplica um imposto sobre os mesmos (também aplicável às operações de reestruturação empresarial). “Permite atingir as mais-valias potenciais não realizadas”, resume, ao Negócios, a fiscalista Ana Paula Dourado.

A proposta foi submetida ao parlamento holandês por um deputado ecologista e conta com o apoio de três dos quatro partidos que apoiam o governo do país, bem como dos trabalhistas, na oposição. Foi redigida especificamente para travar a transferência da Unilever para o Reino Unido e, apurou o Negócios, visa também impedir a Shell de tentar transferir a sua sede fiscal. A proposta está em consulta pública e aguarda pareces jurídicos que validem a conformidade com as leis local e comunitária.


Discriminação resolúvel

Concretamente sobre a conformidade com as regras europeias, Ana Paula Dourado precisa que a legislação “pode levantar problemas de discriminação” e nota que, conforme consta da atual proposta, “há aqui uma violação das liberdades fundamentais do artigo 5.º da diretiva Anti-Elisão”, pois aplica-se somente a empresas com volume de negócios superior a 750 milhões. A especialista em Direito Fiscal explica, porém, que essa violação pode ser resolvida se a legislação final especificar que o imposto à saída será apenas aplicado a empresas que, comprovadamente, mudem de sede por “razões de planeamento fiscal agressivo”.

Se o parlamento holandês aprovar a legislação, cabe ao Tribunal de justiça da UE a palavra final. Todavia, se for resolvido o problema da potencial discriminação, não há entraves que impeçam tal lei de entrar em vigor, desde logo porque a ATAD estabelece padrões mínimos, permitindo assim aos Estados-membros adotarem, no âmbito da soberania fiscal, medidas mais restritivas na legislação nacional.

Desafiados a comentar o espírito da legislação em discussão na Holanda, o Governo português e a Comissão Europeia excluem comentar processos legislativos ainda em curso. Em resposta conjunta ao Negócios, os ministérios dos Negócios Estrangeiros e das Finanças salientam, contudo, ser “conhecida a posição portuguesa contrária à competição fiscal interna à UE, baseada no favorecimento de técnicas de planeamento agressivo e evasão fiscal”.

O Governo sinaliza ainda a respetiva posição doutrinária segundo a qual “a lógica do mercado único é incompatível com práticas fiscais tão agressivas que ponham em causa a concorrência leal”.