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Também na economia há poucas certezas sobre a covid-19
JORNAL DE NEGÓCIOS


Desde que a pandemia virou o mundo do avesso em março, são muito mais as perguntas do que as respostas sobre o coronavírus. O vírus sobrevive no ar? Qual o risco de contágio pelas superfícies? Os assintomáticos são menos contagiosos? Há menos risco de contágio entre as crianças?

Mas se os médicos e os cientistas têm tido mais dúvidas do que certezas sobre o novo coronavírus, também os economistas estão ainda a tentar compreender a forma como a pandemia está a contagiar as economias. Qual a correlação entre a severidade da covid-19 e a contração da economia? O grau de confinamento é determinante para a dimensão da crise económica? Também estas perguntas não têm uma resposta clara.

Na sexta-feira, conheceram-se os primeiros números sobre o impacto da pandemia no PIB no segundo trimestre em 10 países da Zona Euro. Ontem, foram divulgados os dados da Suécia. E a leitura é muito pouco linear: se o efeito económico da crise sanitária é devastador, correlações mais finas são difíceis de definir.

A economia espanhola foi a que sofreu o maior recuo, de 22%, coincidindo com o facto de ter sido um dos países mais afetados pela pandemia, tanto em número de contágios como em número de mortes por milhão de habitantes, segundo a Worldometers. Mas Itália, por exemplo, um dos países com mais vítimas mortais e que esteve no epicentro da crise sanitária na Europa, regista uma contração inferior à de França, que, apesar de muito afetada, teve menos casos e menos mortes do que no outro lado dos Alpes.

Outro exemplo da falta de linearidade dos dados: a Bélgica, que, segundo a Worldometers, tem o maior número de mortes por milhão de habitantes na Europa e é o quarto país com maior percentagem de contágios, viu o seu PIB diminuir 14,5%, quase o mesmo que a Áustria. Ora, a Áustria surge bem atrás – em 14.º e 15.º lugar – no “ranking” de casos e mortes por covid da UE.

Ou seja, a dimensão do abalo económico não cresce na exata proporção dos números da pandemia, o que revela que existem outros fatores explicativos, tais como a abertura da economia, a exposição ao turismo, mas também o grau e duração do confinamento.

O caso sueco

Mas mesmo os reflexos das estratégias de confinamento não são evidentes. A Suécia, por exemplo, recusou-se a entrar em confinamento e encerrar escolas e restaurantes. Esta estratégia divergente teve um impacto sanitário devastador, mas os economistas dizem que ainda é cedo para conhecer o seu resultado na frente económica.

Para já, o PIB do país recuou 8,6% no segundo trimestre, tendo sido o terceiro país (entre os dados conhecidos) que menos sofreu em termos económicos (só a Lituânia caiu menos). “A queda económica da Suécia está numa liga diferente dos restantes países europeus”, considera David Oxley, analista da Capital Economics. No entanto, esta contração, recorda, mostra que o PIB do país “não está imune à covid-19”, mesmo sem lockdown, acrescenta.

A comparação com os países nórdicos – como a Dinamarca ou a Noruega, que avançaram rapidamente para o confinamento – não é clara porque não existem dados para o PIB do segundo trimestre. Mas um estudo da Universidade de Copenhaga conclui que o consumo privado desceu pouco menos na Suécia do que na Dinamarca: 25% contra 29%, ambos valores recorde.

Segundo Adam Sheridan, um dos autores do estudo citado pela Bloomberg, a pequena diferença pode ser explicada pelo facto de os suecos terem decidido, por sua iniciativa, restringir o consumo devido a receios causados pela pandemia. “O consumo diminuiria mesmo sem intervenção do governo”, afirma.

“Se se assumir que a diferença na mortalidade na Suécia e na Dinamarca é causada por diferentes escolhas políticas, então as nossas conclusões sugerem que não se perde assim tanto [economicamente] por cada vida extra que se salva”, conclui Adam Sheridan.

Na Suécia morreram 5.760 pessoas com covid-19 no país, contra 616 na Dinamarca. Os economistas esperam uma recessão económica entre 4 e 5% na Suécia, abaixo das estimativas para outros países da UE, mas em linha com a Dinamarca e a Noruega. Se isso se confirmar, não houve ganhos na estratégia de manter aberta a economia.

A equipa do Fundo Monetário Internacional (FMI) no país também mostra dúvidas sobre o balanço económico da estratégia sueca. Apesar de não existir uma obrigação de ficar em casa, os suecos acabaram por limitar, voluntariamente, os seus movimentos além do desejado para a economia. Em resultado, os níveis de mobilidade da Suécia ficaram acima de outros países nórdicos, mas os níveis de teletrabalho aumentaram mais do que o esperado, com impactos no consumo das famílias e, consequentemente, na economia.

A importância da procura externa

Há outros fatores a ter em conta – e com resultados diferentes. Apesar de a atividade dos serviços ter caído menos na Suécia, a produção industrial diminuiu desde março em linha com outros países que impuseram “lockdowns”. “Isto reflete uma queda na procura externa e na cadeia de valor que não são determinadas pela política de confinamento do país”, afirma a equipa do FMI.

Além disso, elementos como a dependência do exterior, sobretudo pela exposição ao turismo, também podem explicar as diferenças entre economias. É o caso dos países do Sul, como Portugal, que foram os mais afetados na Europa.

Por isso, e embora o impacto nas economias seja muito negativo, os analistas consideram que ainda é cedo para tirar conclusões finas sobre os efeitos recessivos da pandemia.