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Crédito fiscal copia o de Vítor Gaspar, mas protege emprego
JORNAL DE NEGÓCIOS


A proposta de Orçamento suplementar entregue pelo Governo no Parlamento prevê a criação de um Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento II (CFEI II) que é em tudo idêntico ao que foi lançado em 2013 por Vítor Gaspar, em plena crise financeira. A proposta decalca artigo a artigo o diploma da altura, mas, além de ser para um ano (o anterior era apenas para seis meses), acrescenta uma exigência que não existiu na primeira versão: durante três anos, as empresas não poderão fazer despedimentos coletivos nem extinguir postos de trabalho.

Esta exigência vem na linha dos objetivos de proteção do emprego que o Governo tem mantido na generalidade dos apoios que têm sido concedidos às empresas na sequência da pandemia. Mas neste caso, e apesar de aplaudirem a criação do novo CFEI II, os fiscalistas temem que a exigência seja contraproducente, dada a incerteza que envolve a retoma da economia.

Este instrumento visa “potenciar o investimento nas empresas que têm capacidade instalada e que poderão vir a beneficiar de fundos nacionais ou comunitários, incentivando a que façam já os seus investimentos e contribuindo para que a retoma seja mais rápida”, sintetiza o fiscalista Diogo Bernardo Monteiro. Porém, “a exigência de manutenção de emprego é uma diferença substancial” em relação ao anterior CFEI. “Compreendo que se limite no que respeita ao despedimento coletivo, mas limitar a extinção de postos de trabalho já não, isso decorre da gestão normal das empresas e nesta altura há muitos fatores de incerteza”, diz.

Também João Taborda da Gama, fiscalista e advogado, elogia a medida, que diz ser “boa, na linha da aprovada pelo governo Passos Coelho”, mas considera que “a inclusão de requisitos quanto à manutenção de postos de trabalho é misturar política com política fiscal”. E acrescenta: “Se há momento em que as empresas têm total incerteza sobre os empregos que podem garantir é este. Nesta altura, três anos são trinta anos.”

O CFEI, recorde-se, permite a dedução à coleta de IRC de 20% das despesas de investimento em ativos afetos à exploração realizadas entre 1 de julho de 2020 e 30 de junho de 2021, até ao limite de cinco milhões de euros. “É um valor elevado e faz sentido sobretudo nos investimentos de maior relevo, caso da indústria, onde a maximização é muito maior”, explica Diogo Bernardo Monteiro. Pelas suas contas, no limite é possível com o CFEI “reduzir a taxa de tributação efetiva em IRC para os 7,8%”, e se isso terá impacto em termos de receita fiscal, também é verdade que “se as empresas anteciparem o seu investimento, só esse efeito “acaba por funcionar como uma parcela de multiplicador”.

Paula Franco, bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados , também elogia a criação do CFEI II, mas tem igualmente dúvidas. “Não sei como é que as empresas vão ter tempo para investir. No próximo ano talvez, porque neste os lucros não existem e um crédito fiscal pressupõe lucros”. A bastonária considera que faz todo o sentido “incentivar a que não haja despedimentos”, mas também admite que esta regra é limitadora. “Ou a empresa está realmente numa situação muito estável e não foi muito afetada pela crise, ou então será complicado”.

Seja como for, sustenta, por seu turno, Rogério Fernandes Ferreira, “Não se poderá falar em recuperação económica com perda significativa de empregos e postos de trabalho”, pelo que “estas limitações representam uma realidade que as empresas terão de ter em conta em especial neste período”.

Em 2013, de acordo com dados divulgados em 2017, na sequência de uma auditoria da IGF, o CFEI foi utilizado por 14.831 contribuintes, tendo gerado uma despesa fiscal potencial de IRC de 475,5 milhões de euros. Na altura a IGF concluiu que o controlo feito pelo Fisco não foi suficiente e que houve pelo menos 1,3 milhões de deduções a mais. Problema? faltava “uma conta-corrente com informação detalhada e fiável sobre o montante dos benefícios fiscais”, considerou então a IGF.

Suplementar votado a 3 de julho

A proposta de Orçamento suplementar do Governo sobe a plenário já na próxima quarta-feira, 17 de junho. Antes disso, o ministro de Estado e das Finanças e a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social serão ouvidos em audição, no âmbito da apreciação do diploma na generalidade. A primeira votação está agendada para quinta-feira e neste primeiro momento não são de esperar grandes surpresas. Abre-se, entretanto, um período de debate na especialidade, em que o PS e o Governo terão certamente de negociar com os outros partidos, que, à esquerda e à direita, deixaram já antever reivindicações. Entre 18 e 24 de junho haverá um período para que todos possam avançar com propostas de alteração e estão marcadas quatro audições em comissão, das equipas governativas da Saúde, Economia, Trabalho e Finanças. Na semana seguinte decorrerão as votações na especialidade e a expectativa é que a votação final global decorra no dia 3 de julho.

14.831
EMPRESAS
Número de entidades que beneficiaram do crédito fiscal extraordinário criado em 2013 e que custou ao Estado 475,5 milhões de euros