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Governo trava acumulação de lay-off. Advogados contestam e antecipam mais desemprego e falências
EXPRESSO


Pode uma empresa que recorreu ao regime de lay-off simplificado, criado pelo Governo para apoiar empresas em situação de crise empresarial gerada pela pandemia, requerer o regime geral de lay-off se, findo o primeiro apoio, se encontrar em risco de falência? Lei não é clara, mas o Governo tem uma resposta objetiva: não, sem que antes tenha de esperar o equivalente a metade do tempo em que esteve abrangido pelo regime simplificado. Norma consta do regime geral de lay-off, inscrito no Código do Trabalho, e existe para evitar abusos. A maioria dos advogados contesta e argumenta que não resulta clara a sua transposição para o regime simplificado, antecipando que este “travão” pode condenar à falência muitas empresas e empurrar para o desemprego centenas de trabalhadores.

Quando se inspirou no mecanismo de lay-off inscrito no Código do Trabalho (artigo 298º) para criar um mecanismo excecional de proteção de postos de trabalho para as empresas afetadas pela pandemia, o Governo inspirou-se apenas em algumas regras da norma geral, introduziu novas e eliminando outras, a bem da simplificação e da necessidade de acelerar a concessão de apoios. Deixou cair a necessidade de negociação com as estruturas representativas dos trabalhadores (que fazia arrastar o processo no tempo), admitiu que as empresas que o quisessem fazer pudessem pagar além dos 2/3 do salário previstos na lei – mantendo-se a comparticipação da Segurança Social nos 70% - alargou o impedimento de despedir a todos os trabalhadores da empresa e não apenas aos abrangidos pelos lay-off, como consta da versão original do mecanismo, e eliminou também o impedimento de renovação de contratos a prazo. Mas não está disposto a abdicar da norma travão que impede que as empresas apoiadas somem vários lay-off seguidos.

GOVERNO ACIONA “NORMA TAMPÃO”

Em causa está o artigo 298ºA do Código do Trabalho que determina que “o empregador só pode recorrer novamente à aplicação das medidas de redução ou suspensão [lay-off] depois de decorrido um período de tempo equivalente a metade do período anteriormente utilizado, podendo ser reduzido por acordo entre o empregador e os trabalhadores abrangidos ou as suas estruturas representativas”. E foi esse o argumento utilizado pelo Governo quando, num email direcionado pelo Expresso ao Ministério do Trabalho, deixou claro que nenhuma das empresas atualmente abrangidas pelo regime de lay-off simplificado poderá recorrer diretamente ao regime geral do apoio, mesmo que cumpra os critérios de elegibilidade.

O esclarecimento acontece numa altura em que é dado como certo o prolongamento do regime de lay-off simplificado, com regras cujo detalhe ainda não se conhece, mas que fazem antecipar um apertar do cerco às empresas que pode deixar muitas de fora do apoio e em dificuldades. A incerteza das últimas semanas em relação ao prolongamento do lay-off simplificado intensificou as dúvidas de empresários e juristas nesta matéria. Para os empresários, caso o lay-off simplicado não seja prolongado, ou caso o seja com regras de tal forma apertadas que deixam de fora empresas cuja viabilidade e capacidade de manter postos de trabalho esteja ameaçada, transitar do apoio excecional para o lay-off consagrado no CT seria uma solução.

O MESMO CÓDIGO, DUAS LEITURAS

Mas os advogados divergem nesta possibilidade. “Há duas opiniões nesta matéria. A minha convicção é de que nada obsta que um empresário possa transitar diretamente do regime simplificado para o geral sem cumprir a norma tampão”, defende o advogado Guilherme Dray,membro da Comissão que elaborou o Código do Trabalho de 2003. O especialista em Direito do Trabalho esclarece que a norma consagrada no 298ºA “foi criada para evitar abusos e impider que as empresas somassem lay-off”.

E percebe-se porquê. Ao abrigo deste mecanismo, não só o Estado é chamado a comparticipar 70% dos 2/3 da remuneração base dos trabalhadores (através da Segurança Social), como estes vêm a sua remuneração reduzida. Contudo, Dray, não tem dúvidas “o regime excecional de lay-off, o simplificado, não cai no âmbito do artigo 298º nem do 298º-A”. Mesmo que o Governo remeta para este regra no decreto-lei que enquadra o lay-off simplificado (Decreto-Lei nº10-G/2020), referindo que ao novo regime são aplicadas, “com as necessária adaptações”, as regras do CT, o argumento de Guilherme Dray é o de que o regime simplificado “resulta de um novo pressuposto de crise empresarial e bebe alguma influência de das regras do Código do Trabalho, mas não de todas”.

E essa é também a convicção de Américo Oliveira Fragoso, coordenador da área de Laboral da sociedade Vieira de Almeida. “O racional do regime simplificado – a noção de crise empresarial – é totalmente diferente da consagrada no regime geral que pressupõe que esteja em causa a viabilidade da empresa e a sua capacidade de assegurar postos de trabalho”, explica acrescentando que “estes dois conceitos são complementares e não divergentes. A sua matriz é distinta”. O advogado recorda que o regime simplificado tem divergido do geral em muitas questões de fundo” e é por isso que “se a empresa tiver passado pelo lay-off simplificado e, findo o apoio, tiver a sua viabilidade ameaçada, não vejo fundamento legal nenhum para que não possa recorrer ao regime geral, sobretudo se considerarmos que ao abrigo das regras do simplificado não pode sequer redimensionar a sua estrutura”.

Pedro da Quitéria Faria, coordenador de Laboral da Antas da Cunha, discorda. Para o advogado a limitação à transição de um modelo para o outro é clara. O especialista remete para o Decreto-Lei que enquadra o regime simplificado e realça que “embora com as necessárias adaptações, o regime simplificado remete para as mesmas regras do geral”. E com isto, uma empresa que tenha beneficiado do regime simplificado "não pode, mesimo que o faça depois deste terminar, avançar para outro lay-off". Uma visão que Américo Oliveira Fragoso contesta. “A designação de “com as necessárias adaptações” deixa muita coisa em aberto e seria coartar a liberdade de as empresas escolherem um regime que lhes seja mais favorável que é, e deve ser, uma opção da empresa”.

Para o especialista, “mesmo que o regime de lay-off simplificado seja prolongado com outras regras, as empresas devem ter a liberdade de escolher o mecanismo de apoio que lhes seja mais favorável”. E quer Guilherme Dray quer Américo Oliveira Fragoso antecipam que a limitação desta transição possa aumentar o número de empresas em dificuldades. "Muitas empresas poderão ver-se sem outra opção que não seja encerrar", alerta Américo Oliveira Fragoso.