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Devem as empresas ser obrigadas a fazer pagamentos por conta?
Jornal de Negócios


Num momento em que há empresas encerradas e sem qualquer faturação, faz sentido que continuem a ser obrigatórios os pagamentos por conta ao Fisco que, ainda por cima, são calculados em função dos resultados do ano passado, quando não havia pandemia? A questão foi levada esta semana ao Parlamento, pela bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), e é cada vez maior a pressão, por parte de empresas e de fiscalistas, para que o Governo flexibilize. Das Finanças, porém, a única resposta é que, para já, a flexibilização que havia a fazer está feita.

“O pagamento por conta não se justifica este ano”, afirmou Paula Franco aos deputados. Estes pagamentos “deviam ser suspensos ou pelo menos ser voluntários” e “até ajustada a forma de cálculo”.

Os pagamentos por conta, recorda o fiscalista Manuel Faustino, “são uma antecipação do pagamento do imposto que, em termos normais, só no ano seguinte será apurado”. Nessa altura, se o que houver a pagar for menos do que o já adiantado nos pagamentos por conta, haverá reembolso da diferença. “Sucede que os pagamentos por conta são determinados, no IRC, segundo um algoritmo que tem por base o imposto do ano anterior”. Ora, este ano, é praticamente certo que os resultados das empresas, dada a crise, não serão os mesmos do ano anterior, e, se pagarem agora o mesmo, serão reembolsadas em 2021, mas com todos os problemas de gestão de tesouraria que isso representará agora.

As empresas têm de fazer três pagamentos por conta por ano. O primeiro, que deveria ocorrer até 31 de julho, foi já adiado para 31 de agosto, na sequência do estado de emergência. Os outros dois devem ocorrer a 30 de setembro e a 15 de dezembro, sendo que a lei permite que o último seja pago apenas parcialmente ou até nem seja pago de todo, se as empresas entenderem, nessa altura, que o que já adiantaram é suficiente para cobrir o total do imposto esperado para esse ano, explica, por seu turno, Renato Carreira, especialista da Deloitte. É uma opção das empresas, na qual o Fisco até admite uma margem de erro de 20%, mas que se esta for ultrapassada, no ano seguinte terão de pagar a diferença e os juros compensatórios.

Esta regra já dá alguma margem às empresas, mas se nada mudar, em agosto e setembro terão de pagar, mesmo que tenham entretanto uma quebra acentuada de volume de negócios. “Esta crise repercutiu-se profundamente na atividade económica empresarial e ainda não se consegue prever a sua extensão. Fazer pagamentos por conta determinados pelo imposto de 2019, nestas circunstâncias, é absolutamente inapropriado”, defende Manuel Faustino. O mais acertado, diz, seria “pura e simplesmente a dispensa de pagamentos por conta em 2020”, sendo que “o imposto que houvesse a pagar seria integralmente pago na autoliquidação em 2021”.

Também Renato Carreira considera que se devia flexibilizar. Ou com um adiamento de prazos, não só para agosto, mas “ainda mais para a frente”, ou “com a aplicação excecional, à segunda prestação, das mesmas regras que já existem para a terceira”. Ou seja, a empresa só efetuaria o pagamento por conta, caso a sua estimativa indicasse que no ano seguinte teria imposto a pagar que o justificasse.

Já na semana passada, quando o ministro das Finanças foi ao Parlamento para uma audição, a questão tinha sido levanta por Duarte Alves, deputado do PCP. Nessa altura, o ministro foi claro: para já, estão em cima da mesa as medidas que foram consideradas adequadas. Depois “terá de se reavaliar”, mas sempre “em função da reação que a economia tiver no levantamento das medidas de confinamento”. Ou seja, não abriu nenhuma porta, mas também não fechou.

Maiores empresas seriam as mais beneficiadas

Num cenário de flexibilização, seriam as maiores empresas quem mais beneficiaria, na medida em que são também elas quem mais adiantamentos de imposto faz ao Estado por esta via. E Mário Centeno chamou a atenção para esse facto no Parlamento. De acordo com os números a que o Negócios teve acesso, o primeiro pagamento por conta envolve valores na ordem dos 1.500 milhões de euros, dos quais 766 milhões são pagos por grandes empresas. E, mais, desta parcela, 338 milhões vêm da banca, seguradoras e consultoras. O resto do bolo é distribuído pelas pequenas, médias e microempresas.

Num cenário em que o Governo espera uma queda a pique das receitas fiscais, os pagamentos por conta são, num primeiro momento, dinheiro garantido, ainda que no ano que vem possa ter de ser devolvido.

Em 2019, e relativamente a 2018, os reembolsos rondaram os 1.750 milhões e deverá andar por aí o valor que, também este ano, o Fisco vai ter de devolver, quando as empresas entregarem a modelo 22. Pequenos balões de oxigénio que o Estado terá de pagar e um argumento, do lado do Fisco, para não flexibilizar.

Alguns prazos já foram adiados

No âmbito das medidas do estado de emergência, o Governo decidiu já avançar com algumas medidas de flexibilização na área fiscal ao nível das obrigações fiscais do primeiro e segundo trimestres do ano. Assim, o prazo para o pagamento especial por conta (que hoje em dia já é praticamente voluntário, a não ser para empresas que não tenham a sua situação fiscal regularizada) passou de 31 de março para 30 de junho e a entrega da modelo 22 pelas empresas já não tem de ser feita até 31 de maio, tendo o limite passado para 31 de julho. Ao nível dos pagamentos por conta, tudo se mantém exceto a data da primeira prestação, que de 31 de julho passou para 31 de agosto. Por outro lado, são admitidas entregas fracionadas das retenções na fonte de IRS e do IVA em três ou seis meses, sem juros, a partir de abril, sem que seja necessário prestar garantias.