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Jovens que hoje chegam à advocacia “irão ter mais sete ou oito profissões”
JORNAL DE NEGÓCIOS


Com o recurso às novas tecnologias de informação e a pressão crescente dos clientes quanto a prazos e custos dos serviços jurídicos, a advocacia continuará, no futuro, a dar espaço e a aliciar os jovens profissionais para que entrem neste segmento do mercado de trabalho? Ana Rita Duarte de Campos, responsável pelo pelouro dos jovens na Ordem dos Advogados, diz que este é um setor no qual o fator humano "é imprescindível", mas também onde haverá cada vez menos profissionais. Já o docente universitário Jorge Pereira da Silva acredita que as tecnologias de informação podem trazer trabalho jurídico mais complexo e interessante.

"A advocacia está cada vez mais exigente, é certo, mas também, por isso, cada vez mais aliciante. No final do dia, quem presta serviços de qualidade e de elevado valor acrescentado consegue estabelecer limites aos clientes e fazer-se pagar por um justo valor", entende Jorge Pereira da Silva, diretor da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, entidade que promoveu recentemente a sua habitual feira de emprego, o denominado JobShop, em que os alunos contactam com as várias saídas profissionais que o mercado lhes oferece.
Ana Rita Duarte de Campos, vice-presidente do conselho geral da Ordem dos Advogados, sublinha, por seu turno, que "a advocacia é uma atividade na qual o fator humano é imprescindível". Além do mais, observa ainda, "é preciso perceber que as tecnologias servem a advocacia, e não o inverso". Em todo o caso, a dirigente entende que, no futuro, haverá menos advogados. "A inteligência artificial passará a ser aplicada nas áreas menos criativas do direito, haverá uma maior diversificação das profissões jurídicas, haverá mais mediadores que não exercem a advocacia e as atividades de paralegal vão aumentar e especializar-se", explica.

Jorge Pereira da Silva concorda que "as profissões jurídicas não são imunes ao aprofundamento da inteligência artificial". Até por isso, sublinha, "algumas sociedades de advogados estão a apostar muito na sua transformação digital e a associar-se a empresas que desenvolvem sistemas que permitem tomar decisões ou fazer apreciações jurídicas de forma autónoma". Para o diretor da Escola de Lisboa de Direito da Católica, "é evidente que algum trabalho jurídico deixará de ocupar o tempo dos advogados, mas outro, porventura mais complexo e interessante, certamente mais estratégico, o virá substituir".

Ana Rita Duarte de Campos entende, por outro lado, que a advocacia, mesmo que bem remunerada, não é uma atividade profissional muito apelativa para as gerações mais jovens. "Há pessoas muito preparadas e muito capazes, que chegam à advocacia e irão ter sete ou oito profissões depois dela. É uma realidade com a qual temos de viver. Para mim, é claro que iremos ter menos advogados no futuro e só não estamos já a experienciar esse fenómeno por causa do Sistema do Acesso ao Direito", que ainda proporciona, afinal, trabalho a cerca de 14 mil profissionais.

Reter talentos é problema sério

A retenção de talentos "é um problema muito sério para as sociedades de advogados", diz Jorge Pereira da Silva, diretor da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Católica. Contudo, para o também docente universitário, tal facto tem efeitos positivos para a instituição que lidera. "Há uma enorme competição entre os recrutadores para captar os melhores alunos ou os alunos mais ativos e empreendedores", explica. A vice-presidente da Ordem dos Advogados, Ana Rita Duarte de Campos, considera que a retenção de talento é mesmo o grande desafio que se coloca aos grandes escritórios. "Temos um mercado da advocacia que, no que diz respeito às sociedades de advogados, atingiu um nível de maturidade considerável, quer do ponto de vista da qualidade do trabalho quer ao nível da profissionalização da gestão. A perda de talento equivale a perda de dinheiro e ao risco, coisas que nenhum gestor responsável quer ver na sua organização", evidencia.



Atração dos mais novos entre a aprendizagem e a vocação profissional

Que argumentos poderão levar um jovem estudante de Direito a seguir a advocacia como profissão? A oferta de especialização numa determinada área de prática pode ser determinante para atrair e reter jovens talentos profissionais? Segundo Patrícia Viana, sócia da Abreu Advogados, o constante estudo e aprendizagem a que advocacia obriga pode ser um fator de atratividade. Já António Moura Portugal, sócio da DLA Piper, diz que para entrar na profissão a vocação é essencial.

A um jovem estudante, Patrícia Viana diria que, das possíveis saídas profissionais do curso de Direito, a advocacia "será a mais completa e diversificada que vão encontrar". Porquê? Porque os temas abordados no dia a dia "obrigam a uma constante aprendizagem", pois esta é "uma profissão que obriga a estudar, a melhorar, a aprender". Depois, adianta, há ainda as relações de confiança que são estabelecidas com os clientes, mas também a "enorme competição" que obriga ao "desenvolvimento de ‘soft skills’ que vão muito além do que se aprende no curso de Direito".

Como ponto prévio, António Moura Portugal considera que é preciso sentir a vocação. "Já convivi com juristas brilhantes que não singraram como advogados e com alunos medianos que se revelaram excelentes advogados", explica. Quanto à grande vantagem que vê na advocacia face às demais profissões "reside na liberdade de escolha, patente na forma de exercício - em prática isolada ou em sociedade -, no enfoque - prática generalizada ou especialização - e também na profunda dimensão humana do trabalho do advogado".

A especialização numa determinada área de prática pode ser determinante para atrair e reter jovens talentos? "Não creio que essa deva ser a motivação de um estagiário. O estágio deve começar por ser abrangente e, depois sim, dirigir os profissionais para as áreas pelas quais sintam mais apetência", diz Patrícia Viana.

Já para António Moura, "a especialização - assente numa lógica combinada de área de prática, mas também de setores - é essencial para sociedades de advogados de maior dimensão e poderá ser determinante para atrair jovens que já tenham uma decisão tomada em relação ao seu futuro e às áreas e setores em que pretendem desenvolver conhecimentos". Ainda assim, ressalva, "nenhuma especialização é possível sem sólidas bases de aprendizagem - licenciatura, pós-graduação ou mestrado".