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Cimeira em Madrid. “A nossa proposta é que se faça uma redução de entre 45% a 55%” na Europa
EXPRESSO


A cimeira que começa esta semana em Madrid é considerada a última oportunidade para resolver questões relacionados com o Acordo de Paris, como as regras de funcionamento do mercado de carbono, “o único grande dossiê que ainda não foi fechado”, mas as expectativas de que esse e outros assuntos se resolvam “são poucas”. É preciso ser “mais ambicioso” e também Portugal precisa de sê-lo, admite ao Expresso Pedro Martins Barata, Coordenador do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e membro do Conselho Geral da Associação Ambientalista Zero

O que esperar exatamente desta cimeira em Madrid?
Esta cimeira é realizada quatro anos depois do Acordo de Paris, que estipula que ciclicamente os países apresentem as suas metas e contributos a nível nacional, contributos esses que serão apresentados no próximo ano, na Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, que se realizará em Glasgow, no Reino Unido. Nem todas as cimeiras são iguais, há uma evolução, e nesta espera-se que sejam apresentadas iniciativas de nível internacional, por parte de organizações não-governamentais e não só, para pressionar os diferentes países para aumentarem o seu nível de ambição. Idealmente, esta cimeira em Madrid serviria para finalmente terminar o livro de regras do Acordo de Paris, que diz respeito à regulamentação do acordo, mas não é certo que isso venha a acontecer.

Porquê?
Na cimeira da Assembleia Geral da ONU [Cimeira da Ação Climática, realizada em setembro], esperava-se que, com a pressão colocada pelo secretário-geral e dos media, fosse dado um impulso às negociações que fizesse com que, agora em Madrid, os países apresentassem metas mais ambiciosas e que, no próximo ano, saísse de Glasgow um pacto de compromissos que nos colocasse numa trajetória descendente em termos de emissões. Mas na prática isso não aconteceu, os países demonstraram pouca ambição e, portanto, agora o objetivo é basicamente aumentar essa ambição. Há um conjunto de atores, desde empresas, organizações não-governamentais e a própria comunidade internacional, que vão chamar a atenção para isso e para os vários relatórios que têm sido divulgados, incluindo o que diz respeito ao fosso entre a redução de emissões da gases com efeito de estufa que os países vão conseguir se cumprirem os seus planos e a redução que seria necessária para cumprir as metas estipuladas pelo acordo de Paris [Emissions Gap Report 2019, apresentado esta semana]. A situação é, de facto, dramática.

Mas quais são exatamente as suas expectativas para a cimeira?
Com este pano de fundo, são poucas, na verdade. Mas há questões mais técnicas que vão ser negociadas, como as regras de funcionamento do mercado de carbono, o único grande dossiê que ainda não foi fechado. O Acordo de Paris prevê que possa haver mecanismos através dos quais os diferentes países cooperam para atingir as suas contribuições nacionais, através da transação de créditos sobre poupanças de CO2, mas há vários anos que esse texto está a ser negociado sem que se tenha assistido a qualquer avanço concreto. Há muita pressão atualmente para que se chegue a acordo nessa matéria, e isso é positivo e negativo ao mesmo tempo - negativo porque pode levar os países a fazer simplesmente uma fuga para a frente e assinar um acordo inerentemente mau.

O que seria um bom acordo?
Seria aquele que permitisse aplicar estes mecanismos mas com base em regras muito fortes para evitar a dupla contagem, que acontece quando ambos os países envolvidos numa colaboração para a redução de emissões contabilizam essa redução como sendo sua. É necessário estabelecer regras fortes, caso contrário o Acordo de Paris sai enfraquecido.

Mas acredita que se chegará a um “bom acordo”?
Nem por isso. Sei que, a haver um acordo, será muito suado, não vai ser nada fácil. Além disso, há muitas organizações que preferem nenhum acordo em vez de um mau acordo, e eu concordo, porque se este mecanismo for aplicado tal como está escrito será difícil chegar a um acordo ambientalmente correto. Este vai ser, sem dúvida, dos dossiês mais quentes da cimeira.

Outra das prioridades para esta cimeira é operacionalizar os mecanismos de perdas e danos nos países mais afetados pelos desastres climáticos. O que falta fazer nesta área?
Falta fazer quase tudo. Os países em desenvolvimento, sobretudo os mais vulneráveis, sempre utilizaram este argumento — de resto, cada vez mais válido — de que, se há um acréscimo de furacões e ciclones na sua costa, devem ser indemnizados por aqueles que causaram o ciclone, isto é, os países com mais emissões de gases com efeito de estufa. Argumentam que há uma relação entre as alterações climáticas e as emissões de países concretos e essa relação, embora seja conhecida, ainda ninguém sabe bem como fazê-la. É como se eu não conseguisse relacionar o CO2 que o meu carro emite com a avaliação dos danos causados por fenómenos climáticos. Os EUA têm resistido imenso a aplicar estes mecanismos, e a própria União Europeia também, porque concretizá-los seria reconhecer que são responsáveis por todos esses desastres climáticos, seria admitir que têm culpa. Juridicamente, abrir-se-ia uma caixa de Pandora. Em contrapartida, criou-se um fundo com contribuições voluntárias para apoiar na recuperação de países afetados por fenómenos climáticos extremos mas esse fundo está pouco desenvolvido, ainda nem sequer se definiram as regras para o seu funcionamento.

Acredita que haverá avanços nesta cimeira no que diz respeito à concretização desses mecanismos de apoio aos países mais afetados?
Também é um dossiê altamente político, como o do mercado de carbono, mas com uma diferença substancial. É que neste caso há vontade de chegar a um acordo, sempre houve alguma boa vontade nesta matéria. Será sempre um acordo simbólico, é verdade, mas neste tema das perdas e danos tudo é sempre simbólico. O que quer que venha a ser concretizado em termos de fundos e responsabilidades financeiras ficará sempre aquém das necessidades, o que não quer dizer que não deva ser feito.

Destacaria mais alguma prioridade além destas?
Para a cimeira em Madrid ser classificada como um grande sucesso, seria necessário chegar-se a uma resolução em relação às perdas e danos e aos mecanismos de mercado. Isso significaria que, de um ponto de vista mais técnico, estaríamos no bom caminho. Continuaria, no entanto, a faltar-nos a questão política essencial, que tem que ver com a apresentação, por parte de cada país, das suas estratégias de longo prazo para a redução de emissões. E há muitos países que ainda não o fizeram e mesmo no caso dos que o fizeram, as estratégias não são suficientes para limitar o aquecimento global em dois graus centígrados.

Portugal também deveria ser mais ambicioso?
Portugal é dos países mais ambiciosos da União Europeia, mas claro que gostava que fosse ainda mais. Acho que poderíamos ir mais longe.

Quão longe?
A meta atual da Europa para a redução da emissão de gases é de 40% até 2030, mas a nossa proposta é que se faça uma redução de entre 45% a 55%. Acho é preciso acelerar algumas transições. Demorámos muito tempo a lançar os leilões de energia, podíamos tê-lo feito mais cedo. Mesmo no caso dos veículos elétricos, isso deveria ser acelerado. Mas a questão mais premente tem mesmo que ver com o nosso índice de pobreza energética, que é muito elevado. Há imensos avanços por fazer, seja em programas de reabilitação urbana, seja na distribuição de tecnologias diferentes de aquecimentos. Aí sim, é preciso muito mais ambição.