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Quando os contribuintes andavam aos papéis...
JORNAL DE NEGÓCIOS


Ao longo do ano, as faturas iam-se acumulando religiosamente lá em casa. De um lado as da saúde, de outro as da escola e dos livros dos miúdos, mais as cartas do banco, com os juros da casa, as cartas dos seguros. Tudo o que desse para o IRS era guardado religiosamente para voltar a ver a luz do dia lá para Abril do ano seguinte, para a entrega da declaração anual. Nessa altura faziam-se contas, e a pasta das faturas rumava às Finanças, onde cada documento seria visto à lupa pelo funcionário que estivesse ao balcão.

Hoje em dia, com a declaração de IRS à distância de um clique (para quem usa computador e tem internet) e muitos dos campos já pré-preenchidos, as filas que então se formavam nas Repartições passaram à história e praticamente tudo se pode fazer em casa, enfrentando-se apenas o incómodo de eventuais baixas no Portal das Finanças, causadas pelo excesso de acessos nos últimos dias do prazo.

Antes dos automatismos a que todos já nos habituámos, havia que preencher em casa, à mão, os impressos em papel, de cor diferente, consoante a categoria de rendimentos. E começavam aí as dores de cabeça. Primeiro, somar as faturas uma a uma e voltar a somar, para verificar o resultado. Depois, descortinar em que campo do impresso haveria de entrar cada valor. E nem era possível copiar pela declaração do ano anterior porque todos os anos os modelos eram diferentes.

Estava-se no início dos anos 90, a reforma do IRS, de 1989, acabara de entrar em vigor. Se, por um lado, tudo era novo em matéria de impostos, por outro, havia vícios do passado em que contribuintes e serviços de Finanças insistiam em incorrer. Como aquele de levar para as Finanças a pasta dos comprovativos para aí serem verificados um a um pelos zelosos funcionários, que procuravam recibos de cremes de beleza entre os medicamentos ou romances nas faturas dos manuais escolares..

Na verdade, o código do IRS nunca a tal obrigou, mas a maioria das pessoas preferia fazê-lo, até porque no próprio impresso havia um campo onde o funcionário podia atestar que as despesas dos abatimentos tinham sido verificadas, o que, à partida, afastaria uma futura inspeção.

Nas Finanças, a campanha de entrega do IRS era preparada com antecedência. Reforçava-se o serviço ao balcão com mais funcionários e abria-se uma bolsa de candidatos a horas extraordinárias. Em zonas mais populosas, como a grande Lisboa ou o grande Porto, os balcões ficavam abertos até mais tarde e o Ministério das Finanças alugava rulotes que eram estacionadas em locais estratégicos do centro e onde a então Direção-Geral das Contribuições e Impostos disponibilizava funcionários para receberem as declarações de IRS. Apesar do alargamento de horários, as filas eram inevitáveis e, tanto nos serviços, como nas rulotes, não raro davam a volta ao quarteirão, obrigando a esperas de várias horas para entregar a declaração.

Seria assim por muitos anos, até que, já no novo século, as declarações começaram a ser pré-preenchidas, primeiro com os rendimentos, depois já com algumas deduções à coleta e, hoje em dia, em alguns casos, mesmo com a possibilidade de opção por um IRS automático.

Desde 2018 que as declarações em papel desapareceram e o online passou a ser o meio obrigatório de entrega da declaração de rendimentos.

Mais rápido, seguramente, menos trabalhoso também e com a diferença de que, se antes havia um funcionário que via os comprovativos, hoje em dia eles estão lá, no sistema, proporcionando ao Fisco uma dose de informação como nunca teve.