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Discussão sobre desigualdade salarial morre na concertação social
JORNAL DE NEGÓCIOS


O Governo garantiu que quer levar à concertação social o tema das desigualdades salariais – sem revelar quando – na semana em que o Parlamento aprovou uma "recomendação" para a fixação de "um mecanismo de limitação proporcional da disparidade salarial" no Estado e nas empresas, após "consulta" aos parceiros sociais. Ainda que se saiba que não haverá grande margem para discussão: a abertura das associações patronais à fixação de um limite é nula.

"Tem razão de ser que todas estas questões sejam abordadas publicamente, mas sempre defendemos que os acionistas tenham liberdade para estabelecer a grelha salarial interna. Não deve haver intervenção legislativa sobre estes temas", diz João Vieira Lopes, da confederação do Comércio (CCP). 
"O Governo tem toda a legitimidade para legislar sobre o que está a seu cargo – a administração pública e o setor público empresarial – mas como não estamos numa economia planificada não tem, na minha opinião, qualquer legitimidade para se imiscuir nas remunerações do setor privado", refere António Saraiva, da CIP. 

"Não faz qualquer sentido", acrescenta Francisco Calheiros, da confederação do turismo (CTP) sugerindo que o Governo se preocupe com a "reforma do Estado".

A interferência do Governo nos salários praticados pelas empresas privadas já é habitual quando no início de cada ano se fixa o valor do salário mínimo nacional, por vezes com acordo das associações patronais. "O salário mínimo é diferente, é um instrumento de política social", responde Francisco Calheiros. "Se me incomoda haver quem ganhe 100 euros? Um escândalo. E alguém que ganhe 10 mil? Não me incomoda nada", diz o presidente da CTP.

Teoricamente, o Governo poderia fixar um limite máximo contra a vontade dos patrões. Na prática, nas matérias relacionadas com a legislação laboral Vieira da Silva tem preferido consensos. Ninguém antecipa que na fixação de um novo teto, que tanto quanto se sabe ainda não existe de forma generalizada em qualquer país, o Governo queira de facto inovar. "É uma questão que nunca se colocou", garante António Saraiva, da CIP.

Já em Agosto as associações patronais tinham manifestado a sua oposição a medidas deste género. Em reação às declarações de António Costa, que em entrevista ao Expresso afirmou que "as empresas têm de perceber que têm de alterar estas estruturas salariais". "Não é possível pagarem tanto a quem está no topo e tão baixo a quem está nos outros escalões", disse o primeiro-ministro, referindo o caso da EDP.
Ao preferir um projeto de resolução, que tem a força de uma mera recomendação, o PS escolhe não obrigar ninguém a nada, num tema de muitas cautelas. Em Setembro o Bloco de Esquerda preferiu um projeto de lei, mas optou por deixar ao Governo a responsabilidade de fixar o mais difícil: o rácio de desigualdade admissível. Mesmo assim, o projeto foi chumbado por PS, PSD e CDS.

Para Arménio Carlos o que está em causa é "uma medida generalista" em vez da "revogação das normas gravosas da legislação laboral", também em discussão no Parlamento. "É fugir à resposta ao presente remetendo para o futuro medidas que podem ou não ser consensualizadas".

A recomendação do PS, aprovada na sexta-feira com os votos favoráveis do PS do PAN, com a abstenção do PSD, do BE, do PCP e do PEV e apenas com os votos contra do CDS, também recomenda a divulgação de informação sobre salários mínimos, médios e máximos em todas as empresas e a "penalização das empresas privadas" que não respeitem os limites " por exemplo" através "do agravamento da sua contribuição para a Segurança Social ou impedindo o seu acesso a subsídios e apoios públicos à criação de emprego".