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Acesso do Fisco a contas acima dos 50 mil euros: 10 perguntas e respostas
JORNAL DE NEGÓCIOS


Um titular que, no final do ano, tenha num mesmo banco contas com saldo total superior a 50 mil euros, verá essa informação ser fornecida ao Fisco que, depois, avaliará se tem ou não motivos para avançar com uma inspeção e solicitar informação mais completa e que contenha, nomeadamente, os movimentos das contas.

Este levantamento automático do sigilo bancário, ainda que apenas parcial, decorre de um diploma aprovado esta sexta-feira, 11 de janeiro, no Parlamento. Segue ainda para a Presidência da República, onde não se antecipam objeções da parte de Marcelo Rebelo de Sousa, e a ideia é que já este ano, em julho, o Fisco receba informações relativas a 2017 e a 2018, por forma a que comece já a formar um histórico que lhe permita fazer comparações sobre a evolução dos valores.

A proposta agora aprovada esteve parada no Parlamento desde Maio do ano passado, mas tem uma história que vem já de 2016, quando o Governo, pela primeira vez, avançou com uma tentativa de levantamento do sigilo bancário. Pelo meio houve um veto de Marcelo, que entendeu que a altura, dado o momento que a banca atravessava, não era a melhor.

Agora, no final do processo, PS e Bloco, deram a mão e apresentaram uma proposta de alteração à proposta inicial do Governo com um texto conjunto que mereceu também o voto favorável do PCP. O CDS-PP absteve-se na votação final e o PSD votou contra.

Na prática, trata-se de fornecer ao Fisco informação que este já recebe relativamente aos não residentes e que os bancos lhe enviam para, posteriormente, ser também fornecida a outras autoridades fiscais, no âmbito de regimes de troca de informação, não só com a Europa, mas também com países terceiros, caso dos Estados Unidos. Desses países recebe depois também informação relativa a portugueses lá residentes.

Com o manancial de dados que lhe vão passar a chegar de forma automática e por via eletrónica, a Autoridade Tributária e Aduaneira fica com a possibilidade de cruzar informações e identificar situações de risco em que existam rendimentos não declarados ou de proveniência incerta, no âmbito do combate à fraude e evasão fiscal.

Os bancos têm agora pouco mais de meio ano para se adaptarem e terem tudo pronto para, no máximo até 31 de Julho toda a informação ter chegado ao Fisco. E se o não fizerem arriscam-se a coimas que, no limite, podem chegar aos 22.500 euros por cada titular das contas a cujo reporta haja lugar.

  1. Que informação têm os bancos de enviar?

As instituições financeiras ficam obrigadas a reportar ao Fisco os valores que um contribuinte tenha na sua conta bancária ou, se tiver mais do que uma no mesmo banco, nas várias contas que estejam em seu nome. Só terão de o fazer se o saldo ou valor agregado das várias contas exceder os 50 mil euros no final do ano civil imediatamente anterios. Estão em causa apenas os clientes residentes em território nacional.

  1. Os movimentos das contas também serão comunicados?

Não. O valor que seguirá para o Fisco será apenas o saldo final a 31 de dezembro do ano anterior. Se, da comparação de valores com anos anteriores ou do cruzamento com outra informação que detenha, o Fisco entender que está perante um caso que o justifique, poderá então avançar com um processo inspetivo e, nesse âmbito, suscitar o levantamento total do sigilo bancário, ficando, aí sim, com acesso aos movimentos de conta.

  1. Quando é que os bancos têm de mandar a informação para o Fisco?

As instituições financeiras devem comunicar os dados que respeitem às contas de titulares ou beneficiários residentes no território nacional até ao dia 31 de julho de cada ano relativamente às informações referentes ao ano anterior.

  1. Como seguirá a informação?

Os bancos devem utilizar o formato eletrónico, ou seja, nada de papel. Isso facilitará, não só o próprio processo, mas, posteriormente, a análise dos dados por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, que mais facilmente os poderá tratar e cruzar com outra informação de que disponha relativamente aos mesmos contribuintes. O Ministério das Finanças terá ainda de aprovar, por portaria, os formulários e as condições para os mesmos serem submetidos por via eletrónica.

  1. A informação agora em causa respeita a que anos?

A lei agora aprovada prevê que os bancos terão 60 dias, após a entrada em vigor da nova lei, para analisar as contas pré-existentes para efeitos do regime de comunicação obrigatória. Uma conta pré-existente, prevê a lei, é aquela que tenha sido mantida por uma instituição financeira a 31 de dezembro de 2017. Tratando-se de contas abertas depois de 1 de janeiro de 2018 – aquilo a que o diploma chama as "contas novas" -, então o processo deverá ser levado a cabo pelos bancos num prazo de 90 dias depois da entrada em vigor da lei. Tudo terá de chegar ao Fisco até 31 de julho.

  1. Os dados podem ser partilhados com terceiros?

A Lei agora aprovada prevê expressamente que tanto as instituições financeiras, como a Autoridade Tributária e Aduaneira devem observar as regras relativamente à proteção de dados e à segurança e confidencialidade, garantindo, nomeadamente, que fica impedido o acesso aos dados por parte de terceiros sob qualquer forma e sejam entidades públicas ou privadas. Em suma, não haverá lugar a troca de informações, ao contrário do que acontece com os dados dos não residentes, que o Fisco já recebe e envia depois para outras administrações fiscais europeias e de outros países, caso dos Estados Unidos.

  1. E se os bancos não cumprirem?

Se não apresentarem ou apresentarem fora do prazo legal, a comunicação dos dados à administração tributária, os bancos incorrem numa coima entre os 500 e os 22.500 euros. Se a informação seguir, mas contiver omissões ou inexatidões, haverá também lugar a coima, entre os 250 e os 11.250 euros. Recorde-se que há uma obrigação por cada cliente que tenha contas com valor total agregado acima dos 50.000 euros. Os bancos têm ainda de registar e conservar os documentos que comprovem que cumpriram esta nova obrigação. Se o não fizerem, a coima pode também ir dos 250 aos 11.250 euros.

  1. Qual foi o objetivo do Governo ao avançar com esta lei?

O Executivo aproveitou o facto de estar a transpor para a legislação nacional uma diretiva europeia sobre troca automática de informações obrigatória no domínio da fiscalidade para, uma vez que ia ser criado um mecanismo automático de acesso e troca de informações financeiras em relação a contas detidas em Portugal por não residentes, o estender também aos residentes. Fazia-o em nome do combate à fraude e evasão fiscais e ao branqueamento de capitais, associados aos elevados níveis de informalidade e de subdeclaração de rendimentos e sublinhava que não havia justificação para que o Fisco dispusesse de menos acesso a informação do que aquela que estaria obrigada a transmitir a países estrangeiros. Num primeiro momento, porém, Marcelo vetou a proposta, considerando que aquela não era a melhor altura para o fazer, tendo em conta a situação difícil que a banca atravessava. O Governo voltou à carga e a lei foi agora aprovada, com os votos do PS, Bloco de Esquerda e PCP.

  1. É expectável que Marcelo volte a levantar objeções?

Durante algum tempo o governo manteve a sua intenção inicial em banho-maria e em maio de 2018 o Bloco de Esquerda retomou a ideia e voltou à carga com uma proposta idêntica à do Governo, depois de Marcelo ter vindo dizer publicamente que considerava que estavam ultrapassadas as circunstâncias conjunturais que justificaram o seu veto inicial. Não é, assim, de supor que agora levante objeções.

  1. Que regimes de comunicação de dados ao Fisco passam a existir?

Com a entrada em vigor desta nova lei, um residente em Portugal com contas cá verá os saldos e juros da generalidade das suas aplicações financeiras comunicados ao Fisco, sempre que estas excedam os 50 mil euros. Já um não residente (um emigrante, por exemplo) com contas em Portugal verá o Fisco português a comunicar ao Fisco do país em que reside os saldos e juros de todas as contas. Quem, por seu turno, viva cá e tenha dinheiro no estrangeiro, enfrenta um processo simétrico: as autoridades fiscais estrangeiras recolhem, junto das suas instituições financeiras, o mesmo tipo de informação, e enviam-na para Portugal. No caso de o dinheiro estar nos EUA, a comunicação também se faz se as poupanças excederem os 50 mil euros.