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Segurança Social. O simplex tarda em passar por lá
Expresso


Salários e pensões penhorados para lá do permitido. Apoios sociais que demoram meses a chegar. Dívidas que se julgavam extintas e ressuscitam. Baixas médicas cortadas sem pré-aviso. Falta de vagas nas escolas e nas creches. Numa altura em que o Governo acaba de anunciar mais uma versão do programa Simplex, para modernizar a Administração Pública e o Estado, o relatório anual do provedor de Justiça vem uma vez mais pôr a nu serviços públicos onde a relação com os cidadãos deixa muito a desejar. Em áreas vitais como a Segurança Social não há vacas voadoras nem passes de mágica que resolvam os constrangimentos que se arrastam há anos a fio.

Porta-voz das dificuldades que os cidadãos enfrentam no dia a dia na sua relação com serviços considerados essenciais, em 2017, o provedor de Justiça recebeu cerca de 31 mil queixas, cerca de 25% das quais acabaram por levar à abertura de inquéritos. O número tem-se mantido relativamente estável face a anos anteriores e as áreas críticas também. A proteção social continua a ser campeã das queixas, tendo concentrado 27% de todas as reclamações, e, apesar de ser expectável que “o processo de modernização da Administração e o seu modo de atuação resultem na simplificação de procedimentos e na transparência, celeridade e eficiência do processo de decisão”, na Segurança Social parece estar a dar-se o movimento contrário.

O número de queixas aumentou 37% face ao ano anterior, com muitas delas a darem nota “de uma degradação da qualidade do serviço prestado aos cidadãos, o que muito dificulta ou compromete o acesso efetivo e tempestivo aos seus direitos”, assinala o relatório do provedor de Justiça, cujo cargo transitou ainda em 2017 de José Faria e Costa para Maria Lúcia Amaral.

Os exemplos elencados são muitos e variados (ver caixa) e alguns deles são recorrentes ano após ano, como é o caso de grandes atrasos na atribuição de pensões de reforma e dos problemas no seu cálculo, o cancelamento de prestações sociais ou contas-correntes de dívidas que, de repente, são descobertas. Estão em causa direitos básicos dos cidadãos que acabam fragilizados mas, mais do que isso, em alguns casos, as deficiências do sistema público acabam por anular a sua razão de ser. Como assinala o relatório do provedor de Justiça, muitas vezes “estamos perante prestações — as denominadas transferências sociais — que visam salvaguardar a coesão social, evitando ou combatendo a pobreza e a exclusão social”, objetivos que acabam por sair frustrados.

Dívidas são “motivo 
de preocupação crescente”

Outro “motivo de preocupação crescente” para o provedor são as execuções fiscais, uma área onde a Autoridade Tributária (AT) é trazida à liça mas onde é sobretudo a Segurança Social que regista as maiores deficiências, por via do Instituto de Gestão Financeira (IGFSS).

No ano passado foram recebidas 291 queixas nesta área e entre elas de trabalhadores e pensionistas que continuam a ver o Fisco e a Segurança Social a penhorar-lhes contas bancárias, salários e reformas para lá do permitido por lei, arriscando pôr em causa a sua subsistência. O provedor assinala que a AT só foi visada em 37% das reclamações, ficando o resto a cargo da Segurança Social e sublinha também neste caso aquela que parece ser a grande explicação para as grandes deficiências nesta área: a falta de meios, quer técnicos quer humanos.

Ainda na esfera do Estado, a educação revelou-se outra das áreas críticas aos longo do ano passado, seja pela insatisfação gerada junto dos pais das crianças seja junto dos professores. Do lado dos pais, persistem as queixas quanto à ausência de vagas no pré-escolar e no ensino básico, ou quanto à demora na substituição de professores. Do lado destes, o ano ficou marcado por reclamações por causa da colocação de professores, que fizeram aumentar em 46% as queixas enviadas ao provedor relacionadas com o emprego público.

No âmbito dos serviços considerados essenciais mas que são prestados por privados, a publicidade enganosa na venda de pacotes de telecomunicações e as elevadas comissões cobradas pela banca também deram bastante o que fazer à equipa liderada por Maria Lúcia Amaral. Afinal, nem só o Estado funciona mal.