Notícias



Como uma frase fez tremer os mercados
Expresso - Semanário


A reunião do Banco Central Europeu (BCE) de quinta-feira provocou um sobressalto nos mercados. E bastou apenas uma única frase no comunicado divulgado aos jornalistas e a quem, em todo o mundo, segue a política monetária europeia. Tudo porque o banco ‘limpou’, finalmente, a referência à possibilidade de prolongar a duração ou aumentar o volume do programa de compra de ativos (vulgo QE, do inglês quantitative easing). A primeira reação dos mercados foi de valorização do euro face ao dólar, aumento dos juros da dívida dos periféricos e dos futuros da taxa Euribor a três meses. Ou seja, os investidores acreditaram que os juros iriam subir mais depressa do que se esperava até então. Mas por pouco tempo. Até Mario Draghi surgir a garantir que tudo ficou na mesma.

Na conferência de imprensa, pouco depois, o presidente do banco desvalorizou o corte do parágrafo. Sublinhou que a substância da política expansionista se mantém e que se baseia numa trilogia, como Benoît Cœuré, membro do Conselho Executivo do BCE, explicou no final de fevereiro, em Nova Iorque, num Fórum sobre Política Monetária. Primeiro pilar: taxas diretoras nos atuais mínimos durante “um período alargado”. Segundo pilar: compras de ativos até que a trajetória da inflação convença que está a caminho de ficar próxima da meta dos 2% (o que não se vislumbra para 2018 e 2019). Terceiro pilar: reinvestimento do capital que receber das amortizações da carteira gigantesca que tem de títulos “durante um período prolongado após o termo das compras líquidas de ativos”.

Depois de o presidente do BCE ter clarificado que, com a limpeza do parágrafo no comunicado, não se estava a dar nenhum sinal sobre a descontinuação da política de estímulos, o humor dos mercados virou. O resultado é o desce e sobe visível nos futuros da Euribor a três meses em curto espaço de tempo na quinta-feira (ver gráfico com contratos para dezembro de 2020). Comportamento que se verificou também nos juros da dívida portuguesa a dez anos, que chegaram a cair para menos de 1,8% — e estão em novos mínimos desde final de janeiro — após a conclusão da conferência de imprensa de Draghi. O mesmo padrão no euro.

Os analistas inclinam-se agora para uma mexida a sério na chamada orientação futura (forward guidance, em inglês) apenas na reunião de 14 de junho. No calendário, tudo indica que o Conselho do BCE terá de optar, nessa reunião no começo do verão, pela forma como vai descontinuar o QE no final de setembro.

Inflação ainda não convence

Até lá, muita água vai correr debaixo das pontes europeias e globalmente. A começar pela inflação, que recuou em fevereiro para 1,2%, o nível mais baixo desde dezembro de 2016. Draghi referiu que no resto do ano a variação de preços poderá subir para 1,5%. No final do ano, a projeção do BCE, divulgada esta semana, aponta para 1,4%, abaixo da previsão mais otimista de 1,5% feita em dezembro passado.

Dúvidas sobre Weidmann no BCE

Os dados estariam lançados. O jogo de bastidores teria já feito a distribuição das cadeiras no Conselho Executivo do BCE que vão vagar em 2018 e 2019. Luis de Guindos na vice-presidência, o governador do banco central irlandês Philip Lane para o lugar de economista-chefe, hoje ocupado por Peter Praet, e o alemão Jens Weidmann, governador do Bundesbank, para substituir Mario Draghi. Mas os socialistas no Parlamento Europeu avançaram com uma abstenção condicionada, deixando passar Guindos mas não garantindo que darão o ‘sim’ final sem que tenham mais voz nas próximas escolhas. Um diplomata da União Europeia disse ao “Financial Times” esta semana que “é impossível que seja Weidmann, ele é demasiado extremista nas suas posições”. A chanceler Merkel teme pagar “um preço político muito alto” se quiser forçar a nomeação dele, conclui o jornal britânico.

Moral da história: a inflação só deverá chegar a 1,7% em 2020. Ou seja, daqui a dois anos ainda não estará próxima da meta de 2%. Como o italiano que manda no BCE diz, a trajetória da inflação continua “a não ser convincente”, apesar de a retoma económica na zona euro estar em bom ritmo, com as próprias projeções de crescimento do PIB a serem revistas em alta de 2,3% para 2,4% para 2018.

Mas não é só este quebra-cabeças da inflação que tolhe as pernas à ‘normalização’ da política monetária na zona euro. Há outro problema grave: os riscos dos fatores globais, nomeadamente a subida do protecionismo na arena mundial, como refere o BCE. Dito de outro modo, a política unilateralista da Administração norte-americana e o efeito dominó que pode gerar.

Draghi não pôde contornar diplomaticamente os recentes tweets de Trump e o início das medidas aduaneiras no aço e no alumínio que os norte-americanos vão aplicar. E questionou mesmo: se Trump ataca os aliados desta forma, quem são, então, os inimigos? Mas minimizou o impacto imediato das tarifas de Trump na zona euro: “Não será grande.” O problema é o efeito na confiança sobre o quadro internacional.

Finalmente, a situação política na zona euro. O BCE não ignorou, certamente, o cataclismo eleitoral de domingo no país de que Draghi é nativo. Mas o italiano limitou-se a constatar que os mercados financeiros, até agora, não reagiram em pânico.