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“A opinião pública britânica é a favor de permanecer na UE”
Expresso


Filho de uma inglesa e de um imigrante cipriota, é dos políticos mais europeístas do Reino Unido. Formado em História Moderna na Universidade de Oxford, foi jornalista no diário “Financial Times” e no semanário “The Observer” antes de fazer parte dos governos trabalhistas de Tony Blair e Gordon Brown. Nunca ocupou cargos eleitos, mas está na câmara alta desde 2005, ano em que foi elevado a barão. No início deste mês iniciou uma campanha nacional por novo referendo à União Europeia. Uma sondagem recente diz que o povo o deseja, com 16% de diferença, mas nenhum político da primeira linha apoia a ideia.

Não é fácil apostar no êxito da sua proposta…

Como sabe isso, observando a partir de Lisboa? Há uma possibilidade séria de haver novo referendo. O Governo não tem maioria no Parlamento e já foi derrotado numa questão crucial, nomeadamente a forma como será ratificado o tratado de saída da UE. Theresa May queria um processo abreviado, sem escrutínio parlamentar e com uma única votação sobre esse tratado. O Parlamento rejeitou isso. Quase não há precedente de os deputados votarem contra o Governo, mas aconteceu devido à relevância e à controvérsia deste assunto. É a chamada “votação relevante”: terá de ser adotado um estatuto para ratificar a saída da UE, sendo que um estatuto, no nosso sistema, exige um período de dois a três meses em que o Parlamento discute as disposições ao pormenor e pode emendá-las.

É um processo faseado.

Sim. São 15 dias de debate na Câmara dos Comuns, pelo menos outros 15 na Câmara dos Lordes. Vai haver vastas oportunidades para introduzir emendas e tenho motivos para crer que a mesma maioria multipartidária que exigiu este processo irá reclamar novo referendo. Trata-se, basicamente, de uma coligação anti-‘Brexit’. A menos que a primeira-ministra consiga convencer uma maioria de deputados de que o tratado que propõe não vai prejudicar os interesses britânicos ou deixar em aberto questões essenciais da futura relação com a UE, que estão por negociar, há uma hipótese de 50% de o Parlamento exigir novo referendo, quer May goste quer não. Se for esse o caso, terá de se realizar antes de março de 2019, ou teremos de prolongar a vigência do artigo 50. Mas será sempre antes de deixarmos a UE.

E qual seria a pergunta do referendo?

Aceitar o tratado de May ou ficar na UE. A pergunta seria decidida pelo Parlamento, que jamais poria a hipótese de sairmos sem acordo. Isso é o que defendem os adeptos do ‘Brexit’, incluindo o Governo, que é por eles controlado. Mas não é o Governo que decide a pergunta e, se a Câmara dos Comuns estiver disposta a contrariar o Governo e a convocar um referendo, jamais colocará a hipótese de sair sem referendo. Tirando um grupo de 20 ou 30 conservadores da ultradireita, extremamente ruidosos, como Jacob Rees-Mogg, nenhum deputado apoia essa hipótese: nem a maioria do Partido Conservador nem quase ninguém no Partido Trabalhista. As únicas opções credíveis são sair da UE, com o acordo que May alcançar, ou não sair. É uma escolha binária.

Já a reunimos uma vez, para exigir o processo parlamentar completo. Seria a mesma maioria a aprovar um referendo.

Não iria suscitar as críticas feitas quando se repetiu o referendo irlandês, depois de o eleitorado ter rejeitado o Tratado de Lisboa em 2007? Repetir referendos até sair o resultado certo não viola a soberania popular?

É o Parlamento que decide organizar o referendo, pelo que a soberania parlamentar é respeitada. E é povo que vota no referendo, pelo que a soberania popular também é respeitada. O argumento é irrefutável. Aquando do referendo de 2016, as pessoas não conheciam os termos da saída, porque ainda não tinha havido negociações. Houve muitas afirmações, algumas falsas: que o sistema nacional de saúde ganharia 350 milhões de libras [400 milhões de euros] por semana em caso de ‘Brexit’, que permaneceríamos numa união aduaneira... mas não havia factos. O processo para aprovar o tratado passa pelo Parlamento, não apenas pelo Governo, como este pretendia. Mas não julgue que os britânicos estão sempre a pensar na Irlanda, Holanda ou França e nos referendos que lá se fazem. Quem passa o tempo a pensar nisso são os que odeiam a Europa. O povo britânico, se chamado a votar no referendo, irá às urnas.

E não estarão fartos delas, depois de referendo e legislativas em anos consecutivos? Lembro-me de “Brenda from Bristol”, a senhora cujo vídeo no YouTube, a protestar pelo excesso de eleições, se tornou famoso.

A soberania é parlamentar, para lá dos inúmeros argumentos a favor e contra um segundo referendo. Muitos adeptos da saída da UE defenderam, no passado, um duplo referendo. É o caso do próprio David Davis, ministro do ‘Brexit’, que negoceia com Bruxelas em nosso nome. É um argumento democrático: um referendo para decidir o princípio e outro para decidir a sua execução concreta. O que o povo decidiu há dois anos foi encetar uma negociação. Logo, deve ser o povo a decidir se gosta dos termos finais. A não ser, é claro, que o Parlamento abdique do seu poder a favor do Governo.

Há deputados europeístas que vêm de círculos eleitorais que deram maioria ao ‘Brexit’ e que temem o castigo dos seus eleitores.

Se cederem a esse medo, é outra forma de abdicarem do poder que têm.

“SE TIVÉSSEMOS ADERIDO AO EURO EM 1999, O BANCO CENTRAL EUROPEU ESTARIA EM LONDRES, NO BANCO DE INGLATERRA. SERÍAMOS O MOTOR DA EUROPA”

Acredita que o seu líder, Jeremy Corbyn, irá apoiar novo referendo?

É preciso perceber o que vai ser a dinâmica parlamentar no outono, depois de May assinar o tratado com Michel Barnier. Se Corbyn não quiser um referendo, terá de se abster ou de apoiar o tratado. Conheço bem o meu partido. Corbyn é certamente eurocético, mas não é plausível que um líder trabalhista de esquerda, podendo derrotar um Governo conservador, escolha não o fazer.

Como correu o lançamento da sua digressão?

Muito bem. A opinião pública é a favor de ficar na UE. As sondagens de agora dizem, como diziam dias antes do referendo, que 55% a 60% desejam a permanência. A margem reduziu-se durante a campanha e agora voltou a alargar-se. O que tivemos foi uma campanha desastrosa, encabeçada por David Cameron. Em 1975 foi ao contrário, havia uma maioria clara a favor da saída, mas as forças europeístas fizeram a melhor campanha.

Vai percorrer todo o país?

Já comecei. Tenho um certo currículo nisso. Quando fui ministro dos Transportes (2009-2010) percorri o Reino Unido de comboio, coisa que nunca ninguém tinha feito. Conheço muito bem o país, pelo que é um prazer voltar a fazer o percurso, e será mais uma vez de comboio. Os britânicos adoram comboios.

Ao cobrir a campanha do referendo, encontrei um ambiente muito tenso. Não teme que se repita?

Sim, vai ser horrível. Mas a alternativa, sair da UE, é pior.

Se o resultado de 2016 se repetir (52%-48%), agora a favor de ficar na UE, os eurocéticos não pedirão outro referendo?

Claro que sim, mas quem decide é o Parlamento. E o que lhe posso garantir é que nenhum líder de um dos dois grandes partidos vai querer mais um referendo. Nós não tivemos um referendo por causa de Nigel Farage, mas de Cameron, que pensou de forma muito errónea que ia resolver assim os problemas com a direita eurocética do Partido Conservador.

“MUITOS ADEPTOS DO ‘BREXIT’ DEFENDERAM, NO PASSADO, UM DUPLO REFERENDO. É O CASO DO PRÓPRIO DAVID DAVIS, MINISTRO PARA A SAÍDA DA UE”

As suas origens familiares influenciam o seu europeísmo?

Sou europeu. A minha família veio de Chipre, conheço bem a Europa e sinto-me parte da civilização europeia, sem prejuízo do meu enorme orgulho em ser inglês e londrino. Londres é, de longe, a melhor cidade do mundo, mas pode entrar em declínio se o ‘Brexit’ acontecer. As cidades ascendem e decaem. Como disse numa conferência recente, Londres foi a 10ª capital da Europa. Lisboa nunca o foi, mas teve momentos muito bons. Córdova foi-o, na Idade Média, altura em que a Universidade mais importante era a de Salamanca. Depois veio a Contrarreforma e a cidade passou de Universidade a sede da Inquisição. Foi o fim de Espanha enquanto potência internacional. Londres é hoje a capital da Europa, ou mesmo do mundo, e seria um erro colossal deixarmos de exercer o poder que temos. Se tivéssemos aderido ao euro em 1999, o Banco Central Europeu estaria em Londres, no Banco de Inglaterra. Seríamos o motor da Europa

Lamenta que tenham mantido a libra?

Foi um erro gigantesco. Houve dois motivos: politicamente era difícil e Tony Blair achava que o euro não ia acontecer, que os franceses e alemães nunca iam torná-lo realidade. Foi exatamente o mesmo erro que cometemos nos anos 50, quando foi criada a UE e Anthony Eden, primeiro-ministro conservador, pensava que nunca ia haver um Mercado Comum e que os agricultores franceses jamais aceitariam que os seus concorrentes alemães ou italianos exportassem produtos para França. Na conferência de Messina, antecessora do Tratado de Roma, o Reino Unido enviou um diplomata de segunda linha para um encontro onde estavam o chanceler alemão, o Presidente francês e o primeiro-ministro italiano. Mas termos cometido erros no passado não é razão para os cometermos no futuro.