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RAFAEL MARQUES “O MAIOR OPOSITOR DO REGIME É JOÃO LOURENÇO
Expresso


É o rosto da Angola moderna e contestatária ao regime. Aos 46 anos, defende que ali só é possível fazer jornalismo se se for ativista. Contra todas as pressões e limitações continua a fazer um trabalho com independência. Quando os angolanos se sentem injustiçados e querem fazer denúncias, é a ele que recorrem. Constrói uma ligação com as fontes que mantém depois de os trabalhos serem publicados e amplamente noticiados. Prestes a publicar mais um relatório que expõe violações dos Direitos Humanos em Angola — desta vez sobre execuções sumárias de suspeitos de delinquência —, recusa o medo e diz que se sente tão vulnerável como qualquer outro angolano. É a vida que escolheu, de jornalista sem receio de analisar e criticar quem governa e governou o seu país. Tem “orgulho” no trabalho que desempenhou para a ONG de George Soros. E está na expectativa do que vai fazer João Lourenço, mas deixa um conselho: terá de destituir Isabel dos Santos. É esse o grande teste da sua Presidência.

Como pensa que está a correr a Presidência de João Lourenço?

José Eduardo dos Santos quer destituí-lo. O discurso que fez na tomada de posse não agradou aos apoiantes de José Eduardo.

De que parte não gostaram?

Ele fez dois ataques específicos a Isabel dos Santos, um sobre o monopólio do cimento — há fábricas de cimento maiores do que as de Isabel, mas precisam de combustível para funcionar e ela cortou-lhes o abastecimento para as levar à falência. No discurso, praticamente demitiu o governador do Banco Nacional, que não percebe nada de Finanças. Foi ali posto para facilitar. João Lourenço atacou-os porque não se pode demitir nem governador nem Isabel. É uma má estratégia para a autoridade que tem. Se é para comprar guerras, mais valia demiti-los por decreto. João Lourenço tem esses poderes constitucionais. É preferível do que anunciar e não poder fazê-lo. Se não os demitir nos próximos seis meses ninguém o vai levar a sério.

Então, João Lourenço está a prazo.

Sim, não durará muito.

Não lhe dá o benefício da dúvida?

Ele já provou que tem um ódio especial — e agora indisfarçável — a José Eduardo. O José Eduardo escolhe o João Lourenço porque, a determinada altura, percebe que está isolado dentro do partido e que alguns tipos do MPLA passavam a vida a conspirar contra ele. A prisão de Luaty Beirão e dos outros foi para abafar as conspirações internas. E mostrar que o mesmo poderia acontecer aos conspiradores. Conseguiu estancar o descontentamento interno. Nomeia João Lourenço quando está refém de Kopelipa [general Manuel Vieira Dias, investigado pela Justiça portuguesa por suspeitas de branqueamento de capitais], este sim o Presidente efetivo. Quem mandava, fazia e desfazia. E várias vezes fez saber a José Eduardo que a sua vida dependia dele. Então, José Eduardo teve de fazer uma espécie de acordo, entregar o poder ao MPLA, contra a vontade dos Kopelipas que estavam à sua volta. Ele sabia que o nome de João Lourenço acalmaria as hostes, por ser um inimigo declarado. Mas José Eduardo está a congeminar tirá-lo da vice-presidência do MPLA e deixá-lo dependente de uma forma submissa.

Essa manobra tem alguma hipótese de ser viável?

É possível. Quem continua a controlar o dinheiro é o José Eduardo. Os principais assessores e alguns ministros são todos homens dele. O João Lourenço tem de tomar uma medida radical, que coloque em xeque o poder do José Eduardo. A população apoiaria João Lourenço.

“O MAIOR TESTE [DE JOÃO LOURENÇO] É A DEMISSÃO DE ISABEL DOS SANTOS NOS PRÓXIMOS MESES”

Acha que ele vai tomar essa medida?

O seu maior teste é a demissão de Isabel dos Santos nos próximos meses. Se se concretizar, haverá outro teste: a demissão do outro filho do José Eduardo, Zenu [José Filomeno de Sousa dos Santos, à frente do Fundo soberano]. No discurso optou por não falar de Portugal porque considera que os lóbis portugueses são os que mais legitimam o poder do José Eduardo. E ele considera que tem de se livrar desses lóbis e dos assessores portugueses que estão na Sonangol. Por isso não deu posse aos administradores portugueses na Sonangol.

Como se afasta Isabel dos Santos?

Pode fazê-lo por decreto. A qualquer momento pode demitir o conselho de administração da Sonangol. Este é o teste. Há duas alas, o Nandó, que é o presidente da Assembleia Nacional, disse-lhe que tinha de tomar essas medidas já. Se tomar depois de seis meses é um Presidente acabado. Mas outros foram ter com ele e disseram-lhe: “Tenha calma, deixe o Presidente sair com dignidade e não toque na filha.” Ao que ele respondeu: “Então se não toco na filha onde vou buscar o dinheiro?”

A administração da Endiama [empresa de diamantes do Estado angolano] também foi nomeada pelo ex-Presidente antes de sair.

Ele vai ter de dispensar esses tipos todos. Todo o negócio dos diamantes é controlado pela Isabel.

A atual administração é favorável a Isabel?

Trabalha para a Isabel. São empregados da Isabel. Ela criou uma empresa, em Malta, que tem 50% dela e 50% da Endiama, e essa é que faz a comercialização dos diamantes. Mas na realidade não faz, porque são enviados para a sua joalharia e o Sindika [Dokolo, marido de Isabel dos Santos, congolês] lapida-os em França, onde tem uma fábrica, e vende-os como se fossem seus. O Estado recebe zero. A Endiama nunca apresentou um relatório financeiro. Nunca. E ninguém pede.

O que pode acontecer no MPLA se o João Lourenço afastar Isabel dos Santos?

Ou ganha o João Lourenço ou ganha o José Eduardo. Mas não haverá coexistência pacífica. Ou o José Eduardo morre no espaço de um ano, e o João Lourenço afirma o seu poder. Ou está sujeito, num curto espaço de tempo, a levar um golpe.

Golpe no sentido de manter-se como Presidente mas sem grande poder ou golpe efetivo em que o retiram da presidência?

No momento em que for afastado do MPLA, com muita facilidade afastam-no da presidência.

Seria um golpe constitucional.

Sim. Depois inventam aí uns casos de corrupção. Fazem uma campanha interna e tem de ascender o vice-presidente. O João Lourenço não foi cuidadoso nos discursos que fez até agora. Prometeu o mundo. Procurou esvaziar o discurso da oposição assumindo, de forma radical, o discurso anticorrupção. E se se prova que está envolvido nos negócios da Odebrecht — sob investigação no Brasil — como é que fica?

Mas a Isabel não é vista como um símbolo de sucesso em Angola?

É a maior vilã da história de Angola. A população tem um ódio maior à Isabel do que ao pai. Quem conhece bem a Isabel sabe que aquela ideia da inteligência é tudo relações públicas aqui em Portugal. Nós conhecemos bem a Isabel em Angola. A Isabel não era uma pessoa de difícil acesso. Era ela quem ficava à porta do Miami Beach [restaurante e clube de praia] a vender bilhetes e a selecionar quem entrava. É praticamente uma sanzaleira, mas depois deram-lhe um ar assim bonito, simpático. Sempre foi mazinha, sempre teve aquele fio de maldade do pai. Mas era inofensiva até aparecer toda essa corte baseada em Portugal e o Sindika, que lhe deram ar de respeitabilidade e de empreendedora de sucesso. Para a população que não a conhece e que lê a imprensa é uma vilã.