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O Orçamento de todas as cedências ao BE e ao PCP
Expresso


Devidamente adaptada, a famosa frase atribuída a Groucho Marx poderia servir de legenda à fotografia do acordo alcançado esta semana pelo Governo: “Estes são os nossos limites. Mas se vocês não gostarem... bem, temos outros”. Porque se o ponto de partida negocial com BE, PCP e Verdes para garantir a viabilização do Orçamento do Estado para 2018 teve várias linhas vermelhas desenhadas à partida pelo Executivo socialista, parte substancial delas acabou ultrapassada, a reboque das exigências dos parceiros de esquerda. Mas com um detalhe não despiciendo: o impacto financeiro das cedências agora negociadas só se fará sentir sobretudo a partir de 2019. Ou seja, como notou o PSD, um ano depois do desaceleramento no crescimento do PIB (para 2,2%) que o Governo já prevê para 2018.

OS PRINCIPAIS GANHOS

Os escalões de IRS vão aumentar de cinco para sete e o alívio fiscal terá impacto concentrado nos rendimentos até €40 mil. O Governo aceitou desdobrar já dois escalões, como pedia o BE, mas o custo da medida em 2018 não transcende em mais de €30 milhões o que estava previsto

O descongelamento de carreiras avança até final de 2019, como exigiam BE e PCP, mas de forma faseada, em quatro etapas. O faseamento também permite que o impacto orçamental seja quase residual face ao cenário do programa de estabilidade

O Governo aceitou a proposta do PCP para aumentos extraordinários de 6 e de 10 euros. Em 2018 a medida, que só terá efeito a partir de agosto, custará cerca de €35 milhões. Em 2019 o valor duplica

O BE garantiu ainda a integração de mais 3500 professores precários nos quadros do Estado

Em janeiro, o corte de 10% no subsídio de desemprego deverá desaparecer

As diferenças entre a posição inicial do Governo e o resultado final das negociações repartem-se por três grandes áreas. Por exemplo: onde só existia uma folga de €200 milhões para desdobrar escalões de IRS, o Governo passou a ter margem para acomodar o dobro, como o BE exigia; mas nas contas de 2018 o peso desse alívio fiscal — que se traduzirá num aumento de cinco para sete escalões — só deverá atingir um valor “ligeiramente superior a €230 milhões”, como explicou Mário Centeno ao Expresso.

No descongelamento de carreiras na função pública, o Governo propunha inicialmente uma faseamento para lá da legislatura. BE e PCP bateram o pé, invocaram os acordos de 2015 e a necessidade de os cumprir até 2019 e o faseamento encurtou: vai ficar completo até dezembro de 2019, em quatro momentos, com descongelamentos graduais de 25%. E em 2018, o impacto nas contas será quase nulo.

Já nas pensões, se há apenas 10 dias António Costa sinalizou num debate quinzenal, no Parlamento, que não haveria grande margem para aumentos além dos decorrentes da aplicação da lei — associados ao crescimento da economia acima de 2% —, acabou entretanto por aceitar aumentos extraordinários de 10 euros e de 6 euros para as pensões mais baixas, como pedia o PCP. Mas mesmo nesse braço de ferro, que o Governo admite ter sido a única cedência, de facto, nesta negociação, o custo da medida rondará os €35 milhões em 2018, porque só entrará em vigor em agosto. Em 2019, o impacto deste acréscimo será, por isso, superior: pelo menos €70 milhões.

Ou seja, se Costa, no último debate quinzenal, avisou a esquerda de que era preciso avaliar “a medida do passo que se dá” nas decisões orçamentais, uma semana depois a fita métrica socialista acabou por conseguir acomodar o tamanho das exigências de BE e PCP. Mas diluiu-as no tempo.

Governo desvaloriza abrandamento da economia em 2018, prevendo terceiro maior crescimento do século

As fontes do Governo ouvidas pelo Expresso contestam, no entanto, a interpretação de cedência total à esquerda. Porque, argumentam, posições como a progressão de carreiras em quatro anos eram apenas “um ponto de partida para a negociação”. E porque as contas do Executivo apontam para que o impacto imediato seja perfeitamente acomodável, numa altura em que se regista um crescimento significativo do PIB potencial do país, que se traduz também num aumento da receita estrutural disponível para acelerar a política de devolução de rendimentos iniciada há dois anos.

E sobre as críticas do PSD ao facto de todas estas medidas ocorrerem numa altura em que o Governo prevê que em 2018 o crescimento do PIB abrande para 2,2%, Centeno ressalva que uma desaceleração dessa ordem “não é uma queda do PIB”. “Estamos a falar de um crescimento que, a materializar-se, é o terceiro maior deste século. Se Portugal crescer os 2,2% que temos projetado para o ano, terá o terceiro maior crescimento deste século”.

Negociação até à última

No ano passado, o aumento das pensões foi o dossiê discutido até ao último minuto da proposta de Orçamento. Desta vez, foi a Administração Pública a matéria mais difícil de fechar. Na quinta-feira à noite, enquanto o Governo reunia em Conselho de Ministros extraordinário para aprovar o documento — numa reunião que se estendeu por quase 14 horas —, na sala do líder da bancada parlamentar do PCP estiveram reunidos alguns membros da comissão política dos comunistas, para ultimar os últimos pormenores a apresentar para a proposta de Orçamento. Jorge Cordeiro, da Comissão Política e do Secretariado do Comité Central, e Vasco Cardoso, responsável da área económica do PCP, estiveram, com João Oliveira, a aguardar os últimos acertos negociados com o Governo, reunido ali mesmo ao lado.

AO EXPRESSO

“O país e a economia ficaram melhores de cada vez que fomos capazes de contrariar os dogmas da direita, os temores do PS e as ordens das instituições europeias. E esse caminho deve continuar a ser percorrido, já na especialidade do Orçamento e na segunda metade da legislatura”

Catarina Martins Coordenadora do BE

“Se este conjunto de medidas de avanço não são negligenciáveis, não iludem uma questão central: o Orçamento agora apresentado é limitado por opções e constrangimentos que o impedem de ir mais longe, como se impunha e era necessário”

Jerónimo de Sousa Secretário-geral do PCP

Só na manhã de sexta-feira surgiu o fumo branco para o acordo: Governo recuava na intenção de descongelar apenas 33% da verba para garantir progressões em 2018 e os restantes 67% em 2019 e passava a aceitar o novo modelo proposto pelo PCP: 50% em 2018 e 50% em 2019 (ver pág. 10). Um resultado que, como sugeriu ontem Francisco Louçã no seu espaço de opinião na SIC Notícias, pode também ter beneficiado do clima de ‘incerteza’ criado pelo resultado das eleições autárquicas e de uma reunião ocorrida nessa semana entre António Costa e Jerónimo de Sousa. “Isso trouxe a possibilidade de alguma alegria negocial e um esplêndido resultado”, sugeriu Louçã.

Apesar de o grosso das medidas tendentes à viabilização do Orçamento ter ficado fechado na madrugada de quinta para sexta-feira, durante o dia de ontem ainda se limaram várias arestas na proposta final do Governo até ao final da tarde. Informações recolhidas pelo Expresso apontavam, por exemplo, para o facto de o Bloco de Esquerda, ter tentado, numa das últimas versões do documento, corrigir uma proposta do Governo em relação à TSU: os bloquistas tentavam retirar do articulado um alívio de TSU para empresas que não têm contratos a prazo.

A apresentação final do documento, que deu entrada na Assembleia da República pouco antes das 23h, não vai encerrar, de resto, a discussão do diploma: tanto o BE como o PCP já fizeram saber que irão levar para a discussão na especialidade temas como o aumento da derrama estadual paga pelas empresas ou o corte de 10% no subsídio de desemprego (ver texto ao lado). Sendo que neste último caso, já existirá mesmo um princípio de acordo com o Governo para que esse corte tenha efeito já a partir de janeiro de 2018.

Catarina e Jerónimo querem mais

Apesar de assumirem que o Orçamento do Estado para 2018 continua a seguir o caminho positivo da recuperação de rendimentos para os portugueses e que o documento respondeu, na generalidade, a várias das exigências que tinham colocado na mesa das negociações, tanto BE como PCP mantêm o foco na necessidade de ir além do que já foi garantido. E quer Catarina Martins quer Jerónimo de Sousa reiteram ao Expresso algumas da críticas que têm feito parte do seu guião ao longo de toda a legislatura,

“O país e a economia ficaram melhores de cada vez que fomos capazes de contrariar os dogmas da direita, os temores do PS e as ordens das instituições europeias. E esse caminho deve continuar a ser percorrido, já na especialidade do Orçamento e na segunda metade da legislatura”, alerta Catarina Martins.

Conselho de Ministros esteve reunido 14 horas. Função pública atrasou negociação e TSU voltou à mesa

Convicta de que este OE é mais uma prova de que “é à esquerda que se discutem as alternativas para o desenvolvimento do país”, a coordenadora do Bloco sublinha ainda que foi a “recuperação de rendimentos do trabalho a cada orçamento, juntamente com o aumento anual do salário mínimo”, que “impulsionou a economia” e dá ao país “mais capacidade para responder aos graves problemas que estão por resolver”.

No mesmo sentido, Jerónimo de Sousa sublinha (num artigo que pode ler na página 42) que “a ação decisiva do PCP” tem tornado possível “ainda que de forma limitada, fazer avançar medidas para responder a alguns dos problemas mais sentidos pelo povo português”.

Mas se existe já, nesta legislatura e no próximo orçamento, um “conjunto de medidas de avanço [que] não são negligenciáveis”, elas também “não iludem uma questão central: o Orçamento do Estado agora apresentado é um orçamento limitado por opções e constrangimentos que o impedem de ir mais longe, como se impunha e era necessário”, diz. Com Helena Pereira

Marcelo teme efeitos de (tantos) bónus à esquerda

PR pede “realismo” a Costa e abre espaço à oposição. Promulga o OE-2018 com avisos: se o contexto muda, cuidado...

Marcelo Rebelo de Sousa está preocupado com o risco de desequilíbrios nas contas públicas se o Governo continuar numa rota “eleitoralista” e vai promulgar o OE-2018 com avisos. O Presidente da República teme os efeitos das últimas cedências de António Costa e Mário Centeno ao Partido Comunista e ao Bloco de Esquerda e espera que o primeiro-ministro não agrave a situação com um OE ainda mais “eleitoralista” em 2019, que comprometa a credibilidade que, contra o que muitos esperavam, soube manter nestes dois anos de geringonça.

“Dir-me-ão: mas não é o problema deste ano já, nem sobretudo. Mas é-o na medida em que uma parte do que vai ser pensado para os próximos anos está a ser pensada hoje”. Marcelo assume estar apreensivo com o rumo das políticas de esquerda e aproveitou o Congresso Nacional dos Economistas, ontem, em Lisboa, para deixar dois alertas: o equilíbrio pretendido pelo Governo para este Orçamento “é complexo” e para 2019, avisou, é bom que o OE não seja construído “na base de uma pressão excessiva no domínio das prestações sociais, que não seja comportável no quadro de uma trajetória que é ambiciosa em termos de défice nominal e estrutural”.

Numa altura em que se começa a falar de desaceleração da economia, Marcelo Rebelo de Sousa alerta que “é preciso ter em conta a eventualidade de nem sempre a evolução do crescimento, no caso português, como no caso europeu e internacional, ser tão propícia” e lembra que “podendo haver uma ligeira desaceleração da economia” há que garantir um financiamento equilibrado das despesas sociais, “por muito justas que sejam”. Para bom entendedor, está lá tudo: “Para seguirmos o mesmo caminho” é preciso “equilíbrio financeiro” entre “o convite à vitalidade económica e a proteção social”. Um equilíbrio que o PR reconhece ser “complexo” e não passar apenas pela economia, mas “passar muito pelo sistema político e pelo seu funcionamento”.

Claro como água: o que está em causa para Marcelo são políticas e opções de Governo, que o Presidente insiste terem de estar menos sujeitas ao taticismo do dia a dia: “Eu desejaria uma preocupação que olhasse para o médio prazo”, “o que se pede à área da governação é que manifeste de uma maneira sistemática um bom senso e um realismo, à medida da surpresa que introduziu no pensamento de muitos pensadores financeiros e económicos, internos e externos, que temiam que a evolução fosse outra”.

Não sendo um descolar da ‘geringonça’, é um olhar mais crítico do que nunca. Com o PSD a mudar de líder e o centro-direita a reorganizar-se, o Presidente da República sobe a fasquia à esquerda e abre espaço à oposição. Ângela Silva

Bloco quer travar cativações na Saúde

BE leva cativações para a especialidade. Corte no subsídio de desemprego e aumento no IRC também na agenda de PCP e BE

O Bloco de Esquerda vai aproveitar o debate na especialidade para tentar forçar o Governo a garantir que não serão aplicáveis em 2018 quaisquer cativações a serviços centrais que integrem a administração direta do Estado sob alçada do Ministério da Saúde, incluindo os organismos de administração indireta.

Depois de terem contribuído para forçar o Governo a divulgar trimestralmente à Assembleia da República informação sobre cativações (ver pág. 12), os bloquistas querem assim assegurar que — apesar de o Governo ter repetidamente defendido que não existiam cativações no Ministério da Saúde — não se repetirão, no próximo Orçamento, as cativações em entidades como a Direção-Geral da Saúde (DGS), o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) e o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD).

Em causa estão, nestas três entidades, cativações identificadas em 2017 nos respetivos plano de atividades e que ascenderam a cerca de €6 milhões na DGS, €12 milhões no INEM e €2 milhões no SICAD.

O BE e o PCP vão também levar para a discussão do Orçamento na especialidade o fim do corte de 10% no subsídio de desemprego — decidido pelo anterior Governo e que o BE queria ver já inscrito no documento que o Governo apresentou ontem — e o aumento de dois pontos percentuais, de 7% para 9%, na derrama estadual paga pelas empresas com lucros acima de €35 milhões.

Os comunistas vão também insistir no alargamento da gratuitidade dos manuais escolares ao 2º e 3º ciclos e no aumento do mínimo nacional (SMN) para €600 já em janeiro de 2018.

As próximas semanas continuarão, por isso, a ser palco de reivindicações públicas do BE e do PCP, que também não deixarão de fora da agenda temas como a necessidade de reforço do investimento e do financiamento de serviços públicos ou a eliminação de normas introduzidas pela troika no Código do Trabalho. E a disputa com o Governo será inevitavelmente acompanhada pela já habitual batalha pelos créditos dos avanços conseguidos.

Frenesim mediático vai continuar

A face mais visível da disputa de méritos sobre medidas negociadas com o Governo ocorreu no ano passado e teve como consequência o batismo de um imposto. Tecnicamente, chama-se adicional ao IMI — a taxa que abrange imóveis acima de €600 mil —, mas ficou para a história como o ‘imposto Mortágua’. Porque, tendo sido negociado pelo Governo com o BE e o PCP, foi a deputada bloquista quem primeiro deu a cara por ele, quando ainda nem estava encerrada a negociação, o que causou visível irritação entre os comunistas.

Um ano depois, ainda na ressaca da derrota eleitoral nas autárquicas — e talvez sobretudo por isso —, a atitude do PCP mudou. O líder da bancada parlamentar, João Oliveira, desmultiplicou-se em entrevistas e declarações nos dias anteriores ao fecho das negociações do terceiro Orçamento desta legislatura, mantendo alta a pressão no Governo, ao mesmo tempo que reclamava os louros das vitórias que iam sendo alcançadas.

Decalcando uma estratégia que o BE manteve — com sucessivas declarações sobre as medidas que iam sendo dadas como fechadas (ou quase) —, o PCP deixou desta vez bem claro quais tinham sido as matérias em que havia obrigado o Governo a ceder. Com um objetivo claro: evitar que apenas o BE brilhasse com as suas reivindicações e arrepiar caminho face à ideia, que saiu pelas autárquicas, de que só o PS consegue capitalizar eleitoralmente o sucesso da ‘geringonça’. A.N. e R.P.L.

Centrais elétricas a carvão vão pagar imposto adicional

ENERGIA O carvão utilizado para a produção de eletricidade será sujeito a uma taxa adicional a partir de 2018, que se agravará progressivamente até 2022. A medida visa obter receitas não apenas para a sustentabilidade do sistema elétrico mas também para aplicação em iniciativas que visem a descarbonização da sociedade.




67%

é a percentagem do reforço 
do orçamento participativo 
para 2018, passando 
dos €3 milhões de 2017 
para €5 milhões

Contribuição audiovisual continua sem atualização

RÁDIO E TELEVISÃO O serviço público de radiodifusão e de televisão vai continuar a receber o valor mensal de €3,02, decorrente do modelo de financiamento, montante idêntico ao do ano passado. Esta contribuição é cobrada mensalmente por todos os comercializadores de eletricidade aos clientes que excedam os 400 kWh.

10

milhões de euros 
é o montante máximo 
de receita com o Imposto 
sobre os Produtos Petrolíferos 
destinado à agricultura 
familiar e à pesca tradicional 
e costeira, no âmbito do 
PDR 2020 e do MAR 2020

Incentivos a carros e bicicletas partilhados

DEDUÇÕES Os contribuintes que usarem serviços de mobilidade partilhada (como o bike sharing ou o car sharing) poderão deduzir em sede de IRS a totalidade do IVA que pagaram, até um limite de 250 euros, tal como já acontece no caso das despesas com alojamento, restauração, cabeleireiros ou oficinas de automóvel.










13%

passará a ser a taxa de IVA aplicada aos instrumentos musicais em 2018, em vez da taxa máxima de 23%

Verbas para as regiões de turismo vão manter-se

PROMOÇÃO As regiões de turismo vão ter em 2018 o mesmo orçamento de €16,4 milhões, por transferência das receitas de IVA — ao qual se irão somar verbas complementares de €3,5 milhões do Turismo de Portugal. Mas queixam-se de que este ano ainda não receberam estas verbas complementares, que têm de ser aprovadas pelas Finanças.

22

milhões de euros 
é o montante que 
a Agência para o Investimento 
e Comércio Externo 
de Portugal (AICEP) terá em 2018 para promover Portugal