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Governo dá mais €841 milhões
Expresso


Ontem, pouco antes das 23h, alguns jornalistas ainda aguardavam a chegada de Mário Centeno com o documento

A meio da tarde de ontem, quando o país aguardava o Orçamento do Estado para 2018, os enfermeiros desconvocavam a greve agendada para o final de outubro. Ainda não se conheciam os números de Mário Centeno, mas já se sabia o suficiente para os enfermeiros voltarem à mesa das negociações. Este caso ilustra bem o sentimento que se viveu esta semana entre muitos dos grupos mais beneficiados pelas medidas do Orçamento. Medidas que foram além das intenções iniciais do Governo mas cujo impacto não se sentirá integralmente no próximo ano.

Ao todo, pelas contas do Expresso a partir dos dados disponíveis ontem à hora de fecho desta edição, o conjunto de medidas positivas apresentado ontem por Centeno custam €931 milhões e, em sentido contrário, contam-se apenas €90 milhões com impacto no bolso das famílias e das empresas. Assim, em termos líquidos, houve uma retirada de austeridade na ordem dos €841 milhões. Incluem-se aqui a redução de IRS com o fim definitivo da sobretaxa e a revisão de escalões, o aumento de pensões (já com o aumento extraordinário) e o descongelamento de progressões. Mas há uma parte importante da fatura que transita para 2019 e há até uma fatia que se estende para 2020, já depois do final da legislatura, como é o caso das progressões.



Em três anos de orçamentos, o Governo de António Costa ‘entrega’ assim €2000 milhões aos portugueses, no saldo entre as medidas positivas e os aumentos de impostos. Entre estas subidas, contam-se não apenas subidas de impostos que afetam as famílias (como combustíveis ou veículos) mas também aumentos da tributação sobre empresas, como é o caso, por exemplo, das contribuições sobre os sectores bancário e energético. Ficam apenas de fora medidas de contenção de despesa no Estado ou outras similares sem beneficiário direto.

No ano de 2016, por exemplo, o Governo adotou medidas benéficas para as famílias no valor de €1328 milhões e avançou com agravamento de impostos no valor de €705 milhões. Ou seja, devolveu €623 milhões em termos líquidos. Destacaram-se nestas devoluções a primeira parte da reposição salarial no Estado — que terminou este ano —, que custou €447 milhões, e uma primeira redução da sobretaxa de IRS, com um custo estimado de €430 milhões. A sobretaxa teve nova redução este ano (€200 milhões de custo) e terminará em 2018 (mais €180). Em 2017, o impulso do Governo somou €539 milhões em termos líquidos, que resultam de medidas positivas no valor de €879 milhões — onde se destacam a sobretaxa de IRS, o fim da reposição salarial e também aumentos de pensões — e negativas de €340 milhões.

Acusações de eleitoralismo

Ainda antes de ser conhecido, já este Orçamento era acusado de ser eleitoralista. Na TVI, Manuela Ferreira Leite, ex-ministra das Finanças, acusava o Governo de estar a satisfazer clientelas. O próprio Presidente da República alertava que é preciso “resistir à tentação de este ser um Orçamento eleitoralista”. Ao Expresso, Centeno recusa essa ideia e diz que um Orçamento que baixa o défice e reduz a dívida não pode ser considerado eleitoralista.

Só que, quando se olha para o documento, facilmente se verifica que o número de beneficiados é bastante extenso, com milhões de pensionistas aumentados, milhões de famílias a pagar menos IRS e muitos milhares de funcionários públicos com carreiras descongeladas. São poucos os que se podem queixar. Entre eles, estão, por exemplo, os trabalhadores a recibos verdes (ver página 8) ou as empresas com lucros mais elevados, que vão ter um agravamento da derrama estadual no IRC durante o debate na especialidade.

Um dos principais debates sobre a política orçamental do Governo de António Costa é se vira ou não a página da austeridade. Austeridade não é, em si mesmo, um conceito económico. E tem sido, além disso, utilizado com diferentes significados. Um dos mais frequentes é o saldo das medidas aplicadas: se as medidas restritivas ultrapassam as expansionistas, existe austeridade. Foi isso que aconteceu de forma em 2016 — por isso, a austeridade não acabou — mas que não aconteceu em 2017 e, pelas contas das Finanças, não vai acontecer no próximo ano.

Mas há outro conceito, mais do ‘economês’, que serve para medir a austeridade e que parte da variação do saldo estrutural (corrigido do ciclo económico e sem medidas extraordinárias), o tal que Bruxelas usa para avaliar o esforço de consolidação orçamental dos governos. Quando há uma melhoria do saldo estrutural significa que as contas melhoraram para lá do que é o efeito do crescimento económico e de eventuais medidas extraordinárias. E aqui há um sinal contrário sobre a redução da austeridade: há uma melhoria de 0,5 pontos percentuais, embora possa estar relacionado com a revisão do PIB potencial e não propriamente com medidas concretas. A componente estrutural do défice é calculada a partir do hiato do produto e, quanto mais longe a economia está do potencial, maior componente cíclica tem o défice.

Economia abranda

Crescimento, potencial ou não, é sempre uma variável decisiva para as contas públicas. Um ponto de crescimento a mais corresponde a cerca de 0,4 pontos percentuais de défice a menos. O que significa que o crescimento previsto para 2018 dá uma almofada de €1500 milhões (0,8 pontos percentuais do PIB) que permite ‘pagar’ as várias medidas e ainda reduzir o défice. Cerca de metade será gasto pelo Governo entre medidas que transitam deste ano — como o fim definitivo da sobretaxa — e outras entretanto introduzidas. A outra metade corresponde à redução prevista do défice de 1,4% para 1%.

Tudo isto num ano de abrandamento da economia, com o PIB a crescer 2,2% (ver tabela com cenário macroeconómico). A dívida deverá ficar abaixo dos planos iniciais: 126,7% do PIB este ano e 123,5% em 2018. Para 2019, não se conhecem ainda detalhes sobre o impacto das medidas. Mas, com a economia a crescer, haverá novamente margem para gastar. O que já ficou calendarizado — e outras medidas certamente irão aparecer. 2019 é ano de eleições e, dizem-nos as estatísticas, a despesa cresce mais em anos de legislativas: 1991 (segunda maioria absoluta de Cavaco Silva) e 2009 (reeleição sem maioria de Sócrates) foram os recordes. Por isso, se acha que este Orçamento é eleitoralista, prepare-se porque o próximo pode ser pior.

Sorria (muito) se é funcionário público

Quem ganha com este OE? A resposta é fácil. Até os solteiros sem filhos que ganhem €10 mil por mês

Numa primeira análise do OE parece claro que o Governo, e os partidos com quem negociou este orçamento, escolheram os funcionários públicos como os maiores beneficiários da nova política orçamental. Além da redução do IRS, da qual também beneficiam, estão de volta as progressões, as horas extraordinárias pagas na totalidade e maior subsídio de almoço. Logo a seguir estão os pensionistas, principalmente os que têm pensões mais baixas, e, claro, as famílias.

Num suposto inquérito de 1 a 10 sobre quem sai mais beneficiado com o OE-2018, a tabela máxima cabe sem dúvida aos funcionários públicos. Com as carreiras e as promoções congeladas desde há sete anos, veem de repente o nó desatar-se. E não em quatro anos, como estava originalmente prometido, mas em dois, até ao final da atual legislatura, em 2019 — o que, curiosamente, atira para um próximo Governo a fatura a pagar. Metade da reposição será já em 2018. Além disso, as horas extraordinárias passam a ser pagas na íntegra já a partir de janeiro. Quanto ao subsídio de refeição, que serve de referencial para o privado, o aumento de €0,25 que vigora desde agosto (o subsídio é atualmente de €4,77) e estava sujeito a imposto e descontos para a Segurança Social deixará de o ser. A esquerda ( e em especial o PCP) não deixou cair em saco roto as antigas promessas do ex-secretário de Estado Rocha Andrade.

PENSIONISTAS

Depois de atravessarem o deserto durante os anos da troika, os pensionistas têm razões para sorrir. Sobretudo os que recebem pensões mais baixas. O Governo de António Costa definiu um limiar mínimo de aumento para o próximo ano de €6 para as pensões mínimas e de €10 para as restantes pensões, o que, na prática, se traduz num aumento extraordinário para todas as pensões até aos €588 mensais, beneficiando 1,68 milhões de pensionistas. A partir deste valor, a aplicação da taxa de atualização legal já deve resultar em aumentos acima dos €10. Contudo, o aumento extraordinário de 2018, que se soma ao de 2017, não vai compensar o congelamento das pensões entre 2011 e 2015, e as prestações perto dos €600 são as que mais perdem. A exceção são as pensões mínimas, que foram aumentadas nesses anos.

FAMÍLIAS

A tributação de rendimentos do trabalho será mais favorável para a generalidade das famílias portuguesas, graças ao desdobramento dos escalões do IRS, beneficiando sobretudo quem ganha menos, e ao já anunciado fim da sobretaxa de IRS, para quem ganha mais. No entanto, há algumas más notícias: os “vales educação” deixam de ser dedutíveis no IRS e os jovens estudantes com pequenos trabalhos durante as férias escolares ficarão sujeitos a uma retenção de 10% sobre o montante recebido.

RECIBOS VERDES

Não há boas notícias. A esquerda queria aumentar a isenção de IVA para recibos verdes dos atuais €10 mil para €20 mil, mas esta medida acabou por não ir em frente. Com a alteração do Regime Simplificado do IRS, o Fisco vai passar a exigir faturas em vez de haver deduções automáticas, o que significa que os trabalhadores independentes com rendimentos até €200 mil que não apresentem faturas pagarão mais IRS.

O Governo fica autorizado a criar um benefício fiscal para os senhorios em sede de IRS e IRC e uma isenção de IMI se estes aderirem ao programa de arrendamento acessível. Para isso, os proprietários terão de arrendar os seus imóveis abaixo da renda média praticada numa determinada zona com contratos de longa duração. Uma medida que tem como objetivo dinamizar o mercado de arrendamento, tornando-o mais acessível e permanente. Os benefícios fiscais a favor dos proprietários permitem também aos novos inquilinos ter preços mais baixos no mercado de arrendamento. A única dúvida, para já, é saber como vai ser calculado o valor médio para se aferir uma renda de valor mais baixo e se o princípio desta medida cumpre a sua função.

Depois do açúcar em 2017, no próximo ano é a vez de o sal passar a pagar imposto. Comer batatas fritas, bolachas, biscoitos, flocos de cereais e cereais prensados vai ficar mais caro, com um agravamento no preço (de €0,80 por quilo) destes alimentos que tenham um teor de sal superior a 1 grama por cada 100 gramas de produto. Mais caro vai ficar também o consumo de álcool, exceto o vinho. Da cerveja à aguardente, passando pelo espumante e o vinho do Porto, vai ser mais caro ir beber copos. Mas nem tudo são más notícias em termos de consumo. Pelo menos, o contributo para o serviço público de rádio e televisão mantém-se nos €3,02, cobrados mensalmente nas faturas de eletricidade, sempre que o consumo energético ultrapasse os 400 kWa. À semelhança do ano passado, a contribuição para o audiovisual não é atualizada.

AUTOMOBILISTAS

Vão continuar a pagar por tudo. O combustível que usam manterá impostos pesados em 2018, sobretudo o gasóleo, que deverá ver a carga fiscal agravada face à gasolina. O Imposto de Circulação (IUC) não será desagravado. Quem precise de mudar de carro será confrontado com um agravamento do Imposto Sobre Veículos, mas neste caso os aumentos estão dentro dos níveis da inflação (previsivelmente entre 0,9% e 1,4%). A novidade é que os sistemas de partilha de carros (o chamado carsharing) terão incentivos que farão pensar duas vezes entre utilizar um veículo partilhado ou comprar um carro, com as chatices todas que podem provocar rombos mensais no ordenado — portagens, estacionamento, contas de mecânico e bate-chapas e apólices de seguros.

EMPRESÁRIOS

Os patrões queriam retomar o calendário de redução da taxa do IRC acordado entre PSD e PS em 2013. Mas o Governo recusou. O imposto sobre as empresas não desce neste OE-2018, mas há incentivos ao investimento e capitalização das empresas. Quem investe em empresas vai poder deduzir 20% do montante de capital em sede de IRS. Até agora, no apuramento do lucro tributável, as empresas podem deduzir por ano 7% do montante das entradas de capital realizadas até €2 milhões. O novo incentivo deverá permitir que “o sujeito passivo de IRS realize entradas de capital em dinheiro a favor de uma sociedade na qual detenha uma participação social”. Em caso de venda dessa participação, a dedução incidirá sobre o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas.

FORNECEDORES DO ESTADO

Os fornecedores do Estado, sobretudo do sector da Saúde, esperam que o Estado lhes pague o que lhes deve. Mas o aumento dos funcionários públicos e pensionistas e o alívio fiscal das famílias promete retirar margem ao Ministério das Finanças para salvar os pagamentos em atraso, que se acumulam desde o início do ano. A dívida não financeira das administrações públicas atingiu €1145 milhões em agosto de 2017, segundo os dados mais recentes da Direção-Geral do Orçamento. A pressionar a tesouraria dos fornecedores estão sobretudo os hospitais EPE, que devem mais de €900 milhões.

Imposto sobre refrigerantes volta a subir

AÇÚCAR O preço das bebidas açucaradas ou com edulcorantes vai aumentar cerca de 1,5%. O imposto vai variar entre €8,34 e €16,69 por hectolitro, respetivamente para bebidas com teor de açúcar inferior ou superior a 80 gramas/litro. O chamado “imposto Coca-Cola” foi criado este ano, aumentando em 15 a 30 cêntimos o preço de uma garrafa de 1,5 litros de refrigerante.

3500

professores entrarão nos quadros no próximo ano. O número de contratos necessários para a entrada automática nos quadros baixará de quatro para três e será aberto um novo processo de vinculação extraordinária

Vem aí o “imposto da batata frita”

SAL Depois das bebidas açucaradas, o Governo vai agora taxar alimentos com elevado teor de sal (igual ou superior a 1 grama por 100 gramas de produto), como batatas fritas, bolachas, biscoitos e cereais. A taxa será de 80 cêntimos por quilo, pelo que é difícil determinar o impacto que terá no consumidor. A receita vai para programas de promoção da saúde.

123,5

é a dívida pública prevista em percentagem do PIB para 2018. É uma descida de quase sete pontos em dois anos que resulta da conjugação de crescimento económico e juros baixos. Para este ano, o Governo aponta para 126,7%

Compra e uso de automóvel serão penalizados

AGRAVAMENTO Tanto o Imposto Sobre Veículos (ISV, pago na compra de um carro novo) como o Imposto Único de Circulação (IUC) vão sofrer um agravamento em 2018, segundo a proposta de Orçamento do Estado. No caso deste último, o aumento atinge 1,4% e aplica-se a todos os automóveis. Já a subida do ISV depende da cilindrada do veículo e pode variar entre 0,94% e 1,4%.

Cervejas e bebidas brancas vão ficar mais caras