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A simulação de cenários não deixa margem para dúvidas: em matéria de IRS nenhum trabalhador por conta de outrem ficará pior no próximo ano. Considerando não só a revisão dos escalões de IRS mas também o fim da sobretaxa, a maior parte das famílias deverá passar a pagar menos imposto. “Uma grande parte da população vai ficar efetivamente satisfeita”, comenta Rogério Fernandes Ferreira, antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Há, contudo, uma franja da sociedade que ficará pior: se trabalha a recibos verdes, com um rendimento mensal bruto superior a €1370, pode esperar pagar mais IRS a partir de 2018.
As simulações feitas pela consultora EY para o Expresso mostram que os benefícios do Orçamento do Estado para 2018 (OE-2018) têm magnitudes diferentes. E se é verdade que quem ganha pouco recuperará algum poder de compra, também fica evidente que quem aufere salários mais altos terá um benefício bem maior em termos absolutos. Um exemplo: um solteiro sem filhos que receba €925 brutos por mês irá a partir do próximo ano poupar €96,5 em imposto; já um solteiro sem filhos que ganhe €4000 por mês terá uma poupança anual de €1156 no imposto pago.
A disparidade nos benefícios também existe quando entram filhos na equação. Um casal com um filho que opte pela tributação conjunta e em que cada elemento aufira €1500 brutos por mês deverá conseguir uma melhoria do seu rendimento líquido anual de €397. Uma família também com um filho e tributação conjunta, em que cada um dos pais ganhe €4000 brutos mensais, conseguirá um ganho anual de €2298.
Há também alguns cenários em que os contribuintes, segundo a EY, não perderão nem ganharão dinheiro. Tal sucede, por exemplo, para os exemplos de um solteiro com um filho, ou de casados com dois filhos, sempre com rendimentos mensais brutos de €925. Em todas as simulações para rendimentos superiores, independentemente de o contribuinte ser solteiro ou casado e ter ou não filhos, 2018 trará vantagens.
As contas da EY foram feitas assumindo que os filhos têm mais de três anos e não frequentam a universidade, e com uma série de pressupostos para as deduções à coleta, que na prática acabam por variar de contribuinte para contribuinte.
Os ganhos de poder de compra para os trabalhadores por conta de outrem podem ser especialmente elevados para quem ganhe mais. Noutra simulação, feita pela consultora Deloitte, constata-se que um solteiro com um rendimento mensal de €10.000 conseguirá a partir do próximo ano um alívio fiscal de €4088 (conseguido na íntegra por via da eliminação da sobretaxa, já que em IRS pagará exatamente o mesmo).
A surpresa dos recibos
Mas se o desdobramento dos escalões de IRS era uma medida há muito esperada, o que esta sexta-feira chegou como surpresa para os especialistas foi a penalização dos trabalhadores independentes (“recibos verdes”), por via da reformulação do regime simplificado de IRS.
Carlos Loureiro, sócio da Deloitte responsável pela área fiscal, revelou ao Expresso que aquela reformulação “agrava substancialmente o imposto devido por alguns contribuintes”. De acordo com a Deloitte, um trabalhador a recibos verdes que aufira mensalmente mais de €1500 sofrerá um agravamento de IRS.
Um trabalhador independente que ganhe mensalmente €3000 brutos, por exemplo, terá de suportar mais €1182 de imposto, um agravamento de 16%. Com um rendimento mensal de €5000, o agravamento fiscal será de €3787, ou 25%, segundo a Deloitte.
A EY chegou a conclusões semelhantes relativamente aos “recibos verdes”. A penalização resulta de uma nova regra com impacto na determinação do rendimento tributável. “Antecipamos que, na maior parte dos casos, isto resulte num aumento de impostos”, comenta Joana Freitas, especialista da EY em questões fiscais, não escondendo que esta alteração foi surpreendente.
De acordo com as contas da EY para o Expresso, um solteiro sem filhos que trabalhe a “recibos verdes” e ganhe €70 mil por ano pode até conseguir vir a pagar menos €1229 em IRS, mas para isso terá de conseguir apresentar ao Fisco faturas de bens e serviços de pelo menos €25 mil. Todavia, noutros dois cenários trabalhados pela EY, com um menor valor de faturas declaradas à Autoridade Tributária, o mesmo trabalhador independente poderá ver o seu IRS agravado entre €2145 e €4799.
Os “recibos verdes” têm sido uma preocupação premente de algumas forças partidárias, com destaque para o Bloco de Esquerda. E uma versão preliminar da proposta do OE-2018 chegou a prever uma subida do limite de rendimentos que obriga ao pagamento de IVA (dos atuais €10 mil anuais para €20 mil). As últimas versões da proposta, que chegaram à comunicação social já esta sexta-feira, eram omissas quanto a essa medida (que aliviaria sobretudo trabalhadores precários que ganham menos). E o limite para a obrigação de declaração periódica de IVA acabou por não ser alterado.
Fortunas não vão fugir
Carlos Loureiro, da Deloitte, confirma que “do desdobramento dos escalões não resultam contribuintes que sejam prejudicados”. Ao mesmo tempo, “os rendimentos anuais coletáveis até €40.522, que davam origem ao pagamento de IRS, terão efetivamente uma redução no valor do IRS a pagar”. E acima deste valor o efeito é neutro, aponta o sócio da Deloitte.
Neste OE-2018 o Governo assumiu a preocupação de não tributar mais em sede de IRS quem ganha mais. Para Carlos Loureiro, não há de resto neste orçamento medidas que afugentem os detentores de fortunas. “Da análise efetuada não existem, felizmente, medidas que justifiquem a saída de património para o estrangeiro”, comenta o mesmo responsável.
O advogado Francisco de Sousa da Câmara, da sociedade MLGTS, concorda. “Não nos parecem existir razões para uma saída maciça de capitais e património de Portugal, o que seria, obviamente, desastroso para a economia nacional. Mas é evidente que o fator capital é extremamente volátil e, portanto, tanto Portugal como os demais países têm de ter especial atenção às medidas fiscais que adotam de modo a evitar estimular esses comportamentos”, avalia o advogado.
Noutra linha de análise, Rogério Fernandes Ferreira sublinha que “há um agravamento claro na tributação indireta”, em impostos que incidem sobre as bebidas alcoólicas, alimentos com sal, automóveis, entre outros. Cético de que essas medidas cheguem a gerar mais receita para o Estado, Fernandes Ferreira frisa que a opção do Estado por agravar alguns impostos indiretos acaba por criar um maior fosso fiscal com Espanha, abrindo a porta a que parte dos consumidores portugueses acabe por ir às compras do lado de lá da fronteira.
Para Rogério Fernandes Ferreira o ponto mais preocupante é a sistemática alteração das taxas e impostos vigentes, quase sempre para cima. “O sistema fiscal está a ficar exaurido”, observa o antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
E as empresas?
No capítulo dos impostos, ainda não é desta que os empresários conseguirão uma redução fiscal. Francisco de Sousa da Câmara advoga que “seria claramente importante retomar a trajetória de redução da taxa de IRC, prevista na Reforma do IRC aprovada em 2013 pelo PSD, pelo CDS e pelo PS, de forma a reforçar a previsibilidade fiscal, a atração de investimento e o crescimento económico”.
Carlos Loureiro, da Deloitte, nota que na proposta do OE-2018 “não constam alterações significativas na esfera das sociedades”. Contudo, a possibilidade de no debate na especialidade a derrama estadual ser agravada de 7% para 9% para empresas que lucrem mais de €35 milhões por ano é um sinal negativo. “A confirmar-se esta alteração, Portugal continua a não assegurar a estabilidade fiscal indispensável ao investimento”, alerta o sócio da consultora, lembrando que Portugal ficará com uma tributação nas grandes empresas que ultrapassa os 30%.
Pensões ainda estão a perder com congelamento
Aumento extraordinário de 2018, que soma ao de 2017, não vai compensar congelamento entre 2011 e 2015. Pensões perto dos €600 são as que mais perdem. Mínimas são exceção
O próximo ano, tal como já aconteceu com 2017, vai trazer bónus para os pensionistas. O Orçamento do Estado para 2018 (OE-2018) garante um aumento de pelo menos €10 por mês a todos os pensionistas, com exceção das pensões que foram atualizadas entre 2011 e 2015 (casos do primeiro escalão das pensões mínimas do Regime Geral da Segurança Social, das pensões sociais do regime não contributivo e das pensões do regime especial das atividades agrícolas), onde este valor é de €6.
Estes valores funcionam como limiar mínimo, ou seja, sempre que da aplicação da regra de atualização legal anual resulte um aumento inferior, a pagar em janeiro, esse incremento é reforçado, em agosto, até perfazer os €10 ou os €6. E são definidos por pensionista (acumulando todas as pensões auferidas) e não por pensão, para evitar que quem recebe mais do que uma prestação seja beneficiado. O aumento extraordinário para 2018 segue, assim, o modelo já aplicado em 2017 e vai beneficiar cerca de 1,68 milhões de pensionistas, repartidos entre 580 mil com o incremento de €6 (pensões mínimas) e 1,1 milhões com o aumento de €10 (restantes pensões).
Quem ganha são as pensões mais baixas. Com o crescimento médio do PIB nos últimos dois anos acima dos 2% — cenário que António Costa já deu como certo — e a taxa de inflação, sem habitação, este ano, nos 1,2% (último valor disponível), a aplicação da regra de atualização legal anual das pensões resulta já num aumento superior a €10 para todas as pensões a partir dos €588 mensais. Isto porque, neste cenário, a lei prevê aumentos de 1,7% (0,5 pontos percentuais acima da inflação, sem habitação) para as pensões até aos €842,64 (duas vezes o Indexante de Apoios Sociais), de 1,2% (em linha com a inflação) para as pensões acima deste montante e até aos €2527,92 (seis vezes o IAS) e de 1% (0,25 pontos percentuais abaixo da inflação) para as pensões acima deste limiar.
Mas nem tudo são rosas. Este aumento extraordinário, que soma ao já pago em agosto de 2017, não será suficiente para compensar o congelamento das pensões entre 2011 e 2015. Os cálculos do Expresso mostram que, mesmo com estes ‘bónus’, as pensões vão continuar abaixo do patamar em que estariam caso o regime de atualização legal anual tivesse sido cumprido nesses anos. E as pensões baixas, sobretudo as que estão perto dos €600, são das que mais perdem. A exceção são as pensões mínimas, que foram aumentadas pelo Governo PSD/CDS-PP.
Perdas até 6,5%
A explicação prende-se com dois fatores. Primeiro, o regime de atualização legal das pensões é progressivo. Ou seja, a fórmula que determina os aumentos anuais beneficia as pensões mais baixas em detrimento das mais elevadas. Como resultado, a sua suspensão entre 2011 e 2015 teve efeitos regressivos, isto é, penalizou mais as pensões baixas. Segundo, os aumentos extraordinários do Governo de António Costa beneficiam as pensões baixas, mas não todas. Em 2017, estavam abrangidas as prestações até aos €631,98 mensais (1,5 vezes o IAS), enquanto em 2018 são beneficiadas, na prática, apenas as prestações até aos €588.
Os números são claros. O primeiro escalão das pensões mínimas do regime geral partiu em 2010 dos €246 e vai chegar em 2018 aos €275. Um valor que fica €1,2 acima (mais 0,4%) do patamar em que estariam sem os aumentos extraordinários de 2017 e de 2018, mas assumindo que a atualização legal anual tinha sido cumprida entre 2011 e 2015.
Mas esta é a exceção. A regra são perdas generalizadas para todas pensões quando se compara o patamar em que estarão no próximo ano (incluindo os aumentos extraordinários), com o que teriam sem o congelamento entre 2011 e 2015. Mesmo as prestações baixas, que beneficiaram destes bónus, estariam em melhor situação. Isto porque são, precisamente, as que mais ganham com as regras de atualização legal anual.
Assim, uma pensão de €300 em 2010, vai chegar aos €321,2 em 2018. Um valor que fica €12,2 abaixo (menos 3,7%) do que teria não contando com os aumentos extraordinários, mas sem congelamento das pensões nos anos da crise. As perdas vão subindo a partir daqui atingindo um máximo de 6,5% (menos €41,9 por mês) para prestações de €576 em 2010, que chegarão em 2018 aos €598.
Quanto às pensões mais elevadas, a perda em euros é superior, uma vez que se trata de valores absolutos muitos altos. Contudo, em termos percentuais, têm perdas menores. Isto porque são muito menos beneficiadas pela regra de atualização legal anual das pensões. Um exemplo: uma pensão de €4000 mensais em 2010 vai chegar aos €4040 em 2018. Um valor que fica €221,3 abaixo do que teria sem o congelamento entre 2011 e 2015. A perda é de 5,2%, ou seja, muito inferior à penalização que afeta pensões muito mais baixas.