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O modelo de negócio das companhias aéreas de baixo custo precisa de ser revisto O que se passa com as low cost?
Expresso


Em pouco mais de um mês, três companhias aéreas de baixo custo (low cost) deram sinais de fragilidade. A irlandesa Ryanair tem em mãos com um processo de redução da oferta, a britânica Monarch fechou portas na segunda-feira e a Air Berlin declarou insolvência em agosto. O modelo de baixo custo já não funciona?

“As companhias low cost vão muito facilmente à falência. É um modelo de negócio muito baseado no custo e que tem de estar muito bem montado. Não é sustentável”, afirma Álvaro Costa, professor na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). No caso da Ryanair (ver texto em baixo), há várias situações que ocorrem ao mesmo tempo. “As companhias de bandeira estão mais eficientes, os pilotos estão a sair e há um congestionamento nos aeroportos que faz com que a taxa de cumprimento seja menor e obriga a um reajustamento de horário”, aponta. De duas uma: “Ou a Ryanair aumenta os ordenados e destrói o modelo de low cost ou então vai adaptando a sua oferta à quantidade de pilotos de que dispõe”.

O negócio da aviação tem custos fixos (tripulação e manutenção) e break even point muito elevados

Para Luís Carmo Costa, da consultora de turismo Neoturis, é notório que o modelo está a precisar de uma revisão. “É preciso acabar com os bilhetes de avião a €10. O negócio da aviação nunca foi um grande negócio. Tem custos fixos (tripulação e manutenção) muito elevados e um break even point (ponto de equilíbrio em que o total das receitas é igual ao total dos gastos) altíssimo”.

A Monarch transportou 6,3 milhões de passageiros para 40 destinos em 2016, mas teve de enfrentar dificuldades nos últimos anos, especialmente depois da queda de mercados turísticos como a Turquia e o Egito devido à situação de insegurança nesses países, o que obrigou a companhia a competir com mercados como a Grécia ou Espanha, onde a concorrência também está instalada. Também voava para Portugal, sendo que, em abril, previa transportar este verão 75 mil passageiros nas novas rotas dos aeroportos de Birmingham, Manchester e Luton com destino ao Porto. E também voava para a Madeira (Funchal), Lisboa e Faro.

A perder dinheiro

“A Turquia subsidiava altamente as companhias aéreas que, entretanto, deixaram de voar para lá, o que tem repercussões no negócio”, acrescenta o consultor da Neoturis. Além disso, “a diminuição da oferta hoteleira em alguns destinos, onde se inclui a Turquia e o Egito, fez aumentar a procura noutros, que aumentaram os seus preços. Os operadores turísticos, que deixaram de conseguir esmagar os preços dos hotéis, viraram-se para as companhias aéreas. Ou seja, a Monarch andava a voar com elevadas taxas de ocupação, mas com uma receita por lugar em que estava a perder dinheiro”, remata.

A Monarch deixou de operar e cancelou todos os voos, deixando em terra cerca de 110 mil passageiros e anulando 300 mil reservas já feitas. É a quinta companhia aérea do Reino Unido e a mais importante do país a declarar-se na bancarrota.

AS AMEAÇAS

  • Custos fixos elevados
  • Maior eficiência das companhias de bandeira
  • Saída de pilotos para a concorrência
  • Congestionamento dos aeroportos
  • Redução dos subsídios das autoridades de turismo e dos aeroportos
  • Pressão dos operadores turísticos

Há três semanas, foi a Air Berlin, que em 15 de agosto se declarou insolvente, por falta de apoio financeiro do seu maior acionista, a Etihad Airways. No início de setembro, a Comissão Europeia aprovou, “no âmbito das regras de ajuda do Estado da União Europeia, os planos da Alemanha para assegurar um empréstimo-ponte temporário de €150 milhões à Air Berlin”. Este empréstimo será garantido pelo banco de fomento alemão, o KfW, de forma a garantir que a Air Berlin mantém as suas operações enquanto negoceia a venda de ativos.

Desde 2008 que as contas anuais da empresa têm fechado no vermelho, à exceção de 2012, ano de lucros ligeiros. Em 2016, endividada em mais de €1000 milhões, sofreu uma perda histórica de €782 milhões. Ao longo dos últimos meses, a companhia acumulou atrasos e cancelamentos de voos. No entanto, em junho, a empresa tinha estimado ter liquidez suficiente e sublinhava que não antevia a bancarrota.

No início de setembro, foi o presidente da Ryanair, Michael O’Leary, que fez uma antevisão: que as low cost Monarch e Norwegian iriam entrar em processo de falência este ano. “Tanto a Monarch quanto a Norwegian estão com problemas sérios. Já não é segredo entre as companhias aéreas que ambas não sobreviverão até ao próximo inverno. Estão a queimar dinheiro. A Norwegian, por exemplo, fez uma encomenda enorme de aviões e não tem dinheiro suficiente para arcar com as despesas”, apontou O’Leary.

A Norwegian é precisamente, segundo Luís Carmo Costa, uma das causas dos problemas da Ryanair. Na semana passada, após anunciar o cancelamento de 2100 voos até outubro, o equivalente a 50 voos por dia, a Ryanair avançou que vai suspender 34 rotas de novembro a março de 2018, num total de mais de 18 mil voos. A empresa, que viu os seus lucros crescerem 55% entre março e junho deste ano para €397 milhões, estima que estes cancelamentos totalizem um custo de €25 milhões.

Tarifas aumentam

Além do contexto que afetou a Monarch e é transversal na indústria, Luís Carmo Costa fala num ataque da Norwegian à Ryanair. “A Ryanair paga pior aos pilotos do que as outras empresas e a Norwegian está a ir buscá-los (150 pilotos), logo, a Ryanair não consegue voar. A única solução para a Ryanair é pagar mais aos pilotos e refletir isso nos preços dos bilhetes”.

A EasyJet, que entretanto anunciou estar solidária com os trabalhadores da Monarch e incentivou-os a concorrerem aos 500 lugares que estão em aberto na empresa, lançou a oferta para a primavera de 2018 com preços a partir dos €25. Luís Carmo Costa recorda que no ano passado as tarifas partiam dos €19,99. “A EasyJet já está a perceber que a partir de uma determinada altura as estruturas não aguentam e é preciso aumentar os preços”, remata o consultor.

A vida dos pilotos da Ryanair e a fuga para a concorrência

Pilotos denunciam falta de condições de trabalho e ameaçam com “greve em massa” e mais saídas

São 2100 voos cancelados até outubro e 34 rotas suspensas de novembro a março de 2018, num total de mais de 18 mil voos. A Ryanair justifica esta suspensão de voos pelo facto de ter menos 25 aviões a voar a partir de novembro, e menos dez a partir de abril. Abandonou os planos para comprar a Alitalia e diz que vai concentrar-se a resolver os seus problemas.

Mas os problemas vão mais longe. O Expresso falou com pilotos e ex-pilotos da Ryanair, que, pedindo anonimato, falam de uma fuga em massa. Contabilizam que 900 pilotos terão saído no espaço de dois anos para a Norwegian e companhias como a Emirates, a Qatar e a Etihad. Porquê? Por causa das condições de trabalho, respondem. A maioria tem contrato de prestação de serviços, ou seja, só recebe quando voa. Nas férias, não recebe salário.

O modelo de recrutamento da Ryanair era, até há dois anos, o de formar pilotos sem experiência. Contam os pilotos contactados pelo Expresso que pagavam €30 mil para se formarem na companhia (o chamado pay to fly) e ali faziam carreira. Nos últimos dois anos, confrontada com a falta de pilotos, a empresa passou a recrutar pilotos a outras transportadoras aéreas. Pilotos sem qualificação para voar os seus aviões e, por isso, a Ryanair passou a oferecer a formação.

No dia a dia, os pilotos têm de levar água e refeições de casa para os voos. Mesmo que o planeamento definido para o dia pressuponha um ou dois voos, podem ser requisitados para outros e estar preparados para voar 12 horas. Ou seja, detalham, têm de levar sempre refeições a contar com as 12 horas.

Companhia diz que não tem falta de pilotos nem dificuldade em recrutar, que os salários e as condições são “ótimos”

Os pilotos apontam ainda mais duas situações que contribuem para a insatisfação que tem levado às saídas. A sua distribuição pelas bases da companhia, que dizem ser unilateral e sem ter em consideração as suas preferências. E as sessões de treino em simulador de voo, que são agendadas pela Ryanair, mas cabe ao piloto marcar e pagar o hotel durante a formação.

A ausência de contrato de empresa e condições sociais, contextualizam os mesmos pilotos, vinha a ser compensada com salários líquidos superiores e uma progressão de carreira rápida. Mas nos últimos anos a situação degradou-se.

Agora, não só os pilotos, mas todo pessoal de bordo está a preparar uma “greve em massa” contra as condições de trabalho na empresa. Segundo uma fonte da companhia, citada pelo britânico Telegraph Travel, os trabalhadores preparam-se para, logo a seguir, apresentar a demissão e integrar outras empresas.

Contactada pelo Expresso, a Ryanair remete estas questões para comunicados de imprensa já divulgados. Diz que não tem falta de pilotos (4200 para um rácio de 10 pilotos por avião), que não tem dificuldades em recrutar (mais de 2500 em lista de espera) e que no ano corrente menos de 100 comandantes, de um total de 2000, deixaram a companhia, “na sua maioria para a reforma ou companhias de longo curso”. Os comunicados referem ainda que os pilotos não são mal pagos nem têm más condições de trabalho. Segundo a companhia, ganham entre €120 mil e €180 mil por ano, vão ser aumentados em €5 mil a €10 mil em algumas bases e são promovidos a comandantes no espaço de quatro anos. A companhia refere ainda que planeia recrutar 10 a 11 pilotos por avião nos próximos doze meses. M.F.