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FMI avisa: mercados não estão a ligar aos riscos
Expresso


Os mercados financeiros estão a revelar uma atitude de “benevolência” em relação a uma série de choques potenciais ao sistema global financeiro, adverte o Global Financial Stability Report (GFSR), um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) apresentado esta quarta-feira em Washington, onde está a decorrer até domingo a Assembleia anual da organização.

Os potenciais choques a que os agentes do mercado não estão a ligar devidamente prendem-se a vários tipos de risco oriundos do disparo do endividamento global público e privado, do apetite excessivo por ativos de risco e por um regresso a alavancagem excessiva, do perigo da expansão do crédito na China, de eventuais precipitações na descontinuação dos estímulos monetários por parte dos principais bancos centrais e do agravamento dos riscos geopolíticos.

Tudo parece calmo à superfície, mas por baixo estão a desenvolver-se as vulnerabilidades, avisa o FMI. A “indulgência” em relação aos sinais de risco pode ter a ver com o facto de se esperar ainda “um período prolongado de acomodação [da política monetária] antes que as politicas sejam totalmente ‘normalizadas’”, tanto mais que a retoma económica não está completa e a ação dos bancos centrais continua a ser necessária.

Ontem, o economista-chefe do FMI havia sido confrontado em conferência de imprensa se os mercados não estão a manifestar "exuberância irracional" não levando em conta os riscos. Maurice Obstfeld respondeu, então, que "um julgamento firme sobre se os ativos estão sobreavaliados, não acho que estamos prontos para o fazer; mas acho que estamos prontos a reconhecer que existem riscos de que esse seja o caso e que poderão haver ajustamentos numa direção descendente".

Cinco vulnerabilidades no sistema financeiro global

O GFSR aponta algumas vulnerabilidades mais importantes.

A primeira tem a ver com um crescente risco de mercado. A procura de ativos com rendibilidades elevadas “foi longe de mais” e os próprios investidores institucionais nessa corrida “saíram dos seus habitats naturais”, diz o FMI. A razão é que há liquidez excessiva à “caça” de poucos ativos com qualidade de investimento (ou seja, não considerados ‘lixo financeiro’) e que tenham uma rendibilidade superior a 4%. Há menos de 5% do atual stock de ativos nessas condições, quando antes da crise, em 2007, representava 80%. Foi um emagrecimento colossal.

A segunda, é a ‘bomba’ da dívida pública e privada (excluindo o sector financeiro). O FMI refere que não tem parado de aumentar. Ainda em junho, o Institute for International Finance avançava que essa dívida soma 327% do PIB mundial. O GFSR refere que no caso das economias desenvolvidas, aquele rácio é de 260% do PIB respetivo, e para a China está já acima de 254% do seu produto. A pressão do serviço da dívida no sector privado não financeiro (empresas e famílias) é já muito elevado nos casos da Austrália, Canadá, China e Coreia do Sul. Se houver uma subida abrupta das taxas de juro, a situação torna-se muito grave.

A terceira é a situação do crédito na China, um risco que é analisado detalhadamente no relatório. A expansão do crédito na segunda maior economia do mundo, e em particular do “crédito sombra” (que em 2016 já dominava 41% do novo crédito concedido) concedido pelo sistema financeiro paralelo (o sistema bancário “sombra”), sinaliza “riscos elevados para a estabilidade financeira”.

A quarta é a ilusão que acarreta uma baixa volatilidade nos mercados. O que torna os agentes “complacentes” com riscos que saem da esfera económica, como as tensões geopolíticas, ou comchoques que podem surpreender, como um regresso mais rápido do que o esperado ao nível das taxas de juro de longo prazo ou riscos económicos.

Finalmente, outra vulnerabilidade é a situação nos bancos sistémicos, pressionada pela viabilidade dos seus modelos de negócio. O FMI estima que cerca de um terço dos bancos globais sistemicamente importantes, envolvendo 17 biliões de dólares de ativos (mais de €14 biliões), terão problemas em garantir a sua rentabilidade mesmo em 2019.

Três destinatários das recomendações: China, bancos centrais e reguladores

Por tudo isto, o FMI procura fazer ouvir a sua voz em três destinatários principais: a China; os principais bancos centrais (nomeadamente a Reserva Federal norte-americana – Fed - já num processo de subida das taxas de juro e o Banco Central Europeu que discutirá a 26 deste mês como vai prolongar o programa de compra de ativos em 2018); e os reguladores financeiros.

O FMI pede à China, que realiza a partir de 18 de outubro o Congresso do Partido Comunista, o partido dirigente do Estado, que continue o processo de reformas. Particularmente à Fed e ao BCE, recomenda que procedam a uma “normalização suave” da política monetária, equilibrando a gestão dos dois impactos, positivo e negativo dos estímulos. “Demasiado rápido é perigoso, mas não se podem deixar acumular excessos financeiros”, recomenda o Fundo. Finalmente, aos reguladores que invertam a alavancagem crescente.