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“A saída do Reino Unido da União Europeia é inevitável”
Expresso


O processo de saída do Reino Unido da União Europeia vai continuar a ser muito polémico, mas a partir de agora o importante é que temos uma visão clara com a concordância de todos os membros do Governo britânico, afirmou em entrevista ao Expresso a embaixadora daquele país em Portugal, Kirsty Hayes, para concluir que “o ‘Brexit’ é inevitável”.

A diplomata anunciou de resto que, no plano bilateral, o seu país decidiu restabelecer um adido de Defesa com estatuto de residente na Embaixada, o qual tinha sido retirado há dez anos. “Foi um erro”, disse a embaixadora: “o relacionamento com Portugal é histórico e especial.” E lança o repto: “Assim, haverá mais oportunidades para trabalharmos em conjunto.” Atualmente, existe apenas um adido não residente.

Sobre a tal “visão clara”, a embaixadora referia-se em concreto ao discurso que a primeira-ministra britânica proferiu a 22 de setembro em Florença (Itália), mas também aos vários documentos sobre temas diversos que o Governo do Reino Unido tem vindo a publicar. Um deles é precisamente na áreas da segurança e defesa.

“Trata-se de uma área de trabalho em que queremos continuar a participar e contribuir em termos financeiros, incluindo operações militares, se conseguirmos encontrar uma medida aceitável e desejável para ambas as partes”, recordou a embaixadora.

“Isto deve ser possível porque continuamos a enfrentar as mesmas ameaças mas a partilhar também valores fundamentais, como o respeito pelos direitos humanos e o estado de direito. Seria muito importante para a União Europeia permitir a participação do Reino Unido, mas precisamos de encontrar um novo quadro para o facilitar”, disse Kirsty Hayes.

Começar a negociar já

No seu discurso em Florença, onde os comentadores viram uma abordagem “mais realista” do processo do ‘Brexit’ por parte da primeira-ministra britânica, esta propôs “um novo acordo de parceria estratégica, que estabeleça um amplo enquadramento para a cooperação futura nas áreas da segurança, cumprimento da lei e justiça da Europa”. O Reino Unido, reafirmou Theresa May, “está incondicionalmente empenhado em garantir a segurança da Europa”.

Para a embaixadora, “os documentos são um primeiro passo, o problema é que é preciso começar a falar sobre estes assuntos”, uma pretensão que esbarra com o calendário estabelecido pela própria UE, que em primeiro lugar quer ver acordados os temas prioritários (direitos dos cidadãos, situação da Irlanda do Norte e respetivas fronteiras bem como questões orçamentais como o “cheque” que o Reino Unido terá de pagar), e só depois os assuntos em concreto. Segundo a embaixadora, ao contrário do que tem vindo a público, tem-se avançado bastante nestes dossiês, pelo que se deve passar aos outros temas.

“Não precisa de ser já, mas tem de ser em breve”, sublinhou Kirsty Hayes, sublinhando que o seu país “tem tido sempre um papel de liderança como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. “Achamos que temos muito para oferecer, queremos uma parceria muito estreita e iniciar a discussão o mais rapidamente possível.”

E o nuclear?

Ao assento no Conselho de Segurança da ONU, junta-se uma outra questão: o nuclear. Até agora, a UE depende do “guarda-chuva” nuclear britânico e francês, o que deixará de acontecer uma vez completado o ‘Brexit’.

Segundo a embaixadora, a questão nuclear insere-se no âmbito da NATO, na qual o Reino Unido “vai continuar muito empenhado” e onde espera haja “maior cooperação entre as duas organizações”, embora advertindo que “é melhor não duplicar funções da NATO no plano europeu” — uma posição que o Reino Unido tem assumido desde sempre.

Para o Governo britânico, o interesse nacional em termos de segurança na Europa permanece intacto, “por isso é preciso olhar para o futuro e decidirmos o que queremos”.

A embaixadora também não tem dúvidas de que, a 31 de março de 2019, se completará o ‘Brexit’: “É importante lembrar que nas últimas eleições, a maioria dos eleitores votou em dois partidos (conservadores e trabalhistas) cujos manifestos eleitorais afirmavam que concretizariam a decisão do referendo, embora cada um tenha a sua visão sobre o tipo de ‘Brexit’ a levar a cabo. Quanto ao partido que defendia um segundo referendo sobre o ‘Brexit’ (os liberais) ficou em terceiro lugar.”

O facto de neste momento entre os trabalhistas se falar na possibilidade de um novo referendo, não põe em causa a saída, mas o modelo. “Mesmo os que votaram para que o Reino Unido permanecesse na UE, acreditam que a saída é inevitável. O importante agora é encontrar a solução mais positiva para nós e a União.”

May luta contra o tempo e contra Corbyn

PM britânica tem três inimigos: um calendário apertado, um governo dividido e Corbyn em franca ascensão

O Reino Unido só tem um mês para avançar nas negociações do ‘Brexit’, de modo a poder começar a discutir uma nova relação comercial com a UE ainda este ano.

Resta uma ronda de negociações sobre os termos da saída da UE até ao Conselho Europeu de 19 de outubro. Caberá aos líderes europeus avaliar se houve “progresso suficiente” para se passar à segunda fase da discussão, que Londres tem urgência em iniciar.

“Fizemos progressos decisivos”, disse David Davis, ministro britânico para o ‘Brexit’, no final da quarta ronda negocial, quinta-feira, em Bruxelas. Ao seu lado, Michel Barnier, líder das negociações por parte da UE, contrapôs: “Ainda não há ‘progresso suficiente’”.

A exigência de “progresso suficiente” consta da estratégia aprovada pela UE para as negociações. “Como não se especifica do que se trata há margem para interpretação”, diz Magdalena Larsén, professora de estudos europeus na Universidade de Westminster.

Barnier reconheceu progressos depois do discurso mais conciliador sobre o ‘Brexit’ que Theresa May fez em Florença, sexta-feira passada. Mas serão precisos “semanas ou meses” até se poder passar à segunda fase. Houve alguma aproximação de posições quanto ao futuro dos cidadãos da UE no Reino Unido, com Londres a prometer preservar seus direitos atuais e a ter em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu (TJE). Bruxelas quer, no entanto, que os cidadãos possam recorrer diretamente ao TJE. May disse que assumiria os compromissos financeiros com a UE durante um período de transição de dois anos após a data-limite do divórcio: 29 de abril de 2019. Mas o acordo está longe.

Sobre a questão da fronteira entre as duas Irlandas, Barnier e Davis disseram que houve alguns progressos, mas também ainda não há uma solução. “Provavelmente, esta é a área em que será mais difícil para o Conselho Europeu decidir que houve ‘progresso suficiente’”, avalia Larsén.

Para se aproximar de Bruxelas, May caminha no arame para não melindrar nem os deputados conservadores que desejam um “Brexit duro” nem os que preferem uma separação mais suave. Também está a tentar evitar a derrocada do seu dividido governo. Boris Johnson, ministro dos Negócios Estrangeiros, disse a uma rádio checa que a livre circulação de pessoas deve acabar em 2019, contrariando May.

Estas e outras divergências surgem em vésperas do congresso do Partido Conservador, amanhã em Manchester. Grupos anti-‘Brexit’ prometem encher as ruas com protestos. Uma sondagem do YouGov coloca os trabalhistas à frente dos conservadores: 43% contra 39%. No discurso final do congresso do partido em Brighton, quarta-feira, Jeremy Corbyn disse que os trabalhistas estão “à beira do poder”. Mas, se não forem antecipadas, ainda faltam cinco anos até às próximas eleições.